terça-feira, 21 de abril de 2009

papelópolis


No princípio havia o papel branquinho, cheio de nada. De repente houve um grande Bum!!! E um universo inteiro de palavras surgiu. A dança dos Astros-palavras era impressionante. Estrelas-palavras brilharam, planetas-palavras formaram-se, cometas-palavras viajaram riscando o infinito. E a vida se fez de palavras: luz, noite, dia, coisas, sentimentos, emoções... Que mundo bonito se formou, todo feito de palavras. Palavras grandes e pequenas, brancas, negras, coloridas, transparentes, brincalhonas e às vezes sérias demais. Mundo-palavra.
E nesse mundo havia muitas cidades-palavras, livros e mais livros, depósitos de palavras tagarelas, formavam vales, ruas, montanhas... Os montes de livros brilhavam ao entardecer espalhando a luz do saber, da cor de ouro. Não havia muros e cercas. As casas eram construídas com tijolos-palavras. As árvores tinham troncos grossos, palavras-fortes. Eram sustentadas por palavras-raízes. E os galhos sustentavam palavras-folhas verdinhas. As palavras gente, ruas, meninos e bichos viviam aí muito bem. As flores desabrochavam multicoloridas:amarelas, azuis, vermelhas, violetas... Dava gosto se ver um raminho de palavras crescendo, crescendo até brotarem outros galhos e tornar-se uma árvore frondosa cheia de frutos: frutos-palavras.As crianças brincavam de pular corda. Elas pegavam um fio bem comprido de frases e giravam para que outra criança pulasse. Do outro lado, no campinho de vírgulas verdinhas, brincavam meninos. A bola, feita de frases e mais frases redondinhas, rolava daqui pra lá até entrar no gol da leitura. Era o jogo do entendimento.
Havia também uma praia enorme. A areia era feita de letras soltas,milhões de letrinhas à espera de crianças para formar castelos, bichos, cidades... No mar, palavras iam e vinham em ondas de pensamento. E no céu a palavras-gaivotas, em revoada, lançavam seus gritos de guerra, prontinhas para pescar palavras-peixes distraídas. Outra brincadeira muito divertida era soltar pipa. Cada menino construía sua própria pipa,com palavras-desejos. Depois prendia o brinquedo numa linha de palavras-sonhos, e esperavam pelo vento de imaginação para empiná-la.
Um dia, brincando no jardim, uma menina resolveu retirar do roseiral-palavrório uma flor. Mas havia no caule uma palavra-espinho. E em seu dedinho-palavra surgiu um furinho. Foi assim que ela conheceu as palavras sangue, dor e choro. À noite, enquanto no céu brilhavam palavras-estrelas, as crianças iam dormir e a palavra-sonho tomava conta dos seus nomes.Elas viajavam para o mundo da palavra-fantasia e conheciam as palavras medo, coragem, fadas e heróis.

sábado, 4 de abril de 2009

Milagre das amendoeiras


O menino caminha pelas ruas da cidade. A mãe o segura pela mão.
- Droga, não sei por que não cortam essas amendoeiras. Todo ano a mesma coisa.
- O que, mãe?
- Essas folhas pelo chão... uma sujeira só.
- Eu acho legal. Parece um tapete vermelho. Daqueles de rei. Abram caminho para a majestade e a rainha-mãe!
- Não vejo graça nisso. Podiam ter plantado ficus, faz sombra melhor e não suja tudo.
- Ué, mas aí não tinha graça, mãe. Amendoeira é relógio. Diz o tempo pra gente.
- Eu heim, lá vem você.
- É sim, mãe. Ela diz que o inverno acabou. Diz também que tudo o que morre pode viver de novo.
- Como assim?
- Não vê que numa parte do ano as amendoeiras ficam verdinhas? O verde vai escurecendo... até que as folhas ficam amarelas, ficam vermelhas... caem. A árvore fica só o esqueleto. E depois, começa tudo de novo. Só pode ser o relógio das quatro estações.
- Você vê cada coisa...
- Não, mãe, são as coisas que vêem a gente.
- Você vê brincadeira em tudo, né? Olha só essa sujeira...
- Criança não foi feita pra brincar? A senhora mesmo é quem fala.
- É, eu gostava de brincar... Quando era criança. Agora estou bem grandinha.
- Mãe, por que quando a gente fica grande deixa de brincar?
A mãe olha o filho com ternura:
- Pensando bem, acho que esse chão ficou melhor assim, com esse tapete vermelho.
Os dois passaram pelo tapete vermelho, como compete a um rei e sua rainha.