segunda-feira, 17 de março de 2014

o sem...

queria escrever o sem sentido. aquilo que gruda na cachola, no juízo, sem precisar de explicação. queria construir um texto que não tivesse conceitos. conceito não se pega no grito, não se transmite no ato, não se oferece na dádiva. conceito é imagem que nunca toma forma e vigora no escorrego. estou farto de conteúdo. quero o continente. melhor: quero a filosofia do não. a desforma. estar aqui e pronto. sem ter que racionalizar o ontem e o já. coisa mais besta viver assim, dando nome e significados pra tudo.

domingo, 16 de março de 2014

a coisa

Quero uma coisa.
uma coisa bonita. uma coisa bonita e grande. uma coisa bonita, grande e sagrada. uma coisa bonita, grande, sagrada e que me deixe perplexo ao tocá-la. quero essa coisa que, tendo um corpo, continua incorpórea. essa coisa que é reservatório, cálice para vinho velho.
coisa-continente.
quero a coisa que se diga, sem tradução, sem traição, sem metáfora, crua e lisa, a lucidez do vidro, leveza de uma borboleta. quero ser para a coisa, assim como o barro para o oleiro e a azeitona para o azeite. coisa em panaceia. coisa sem nome. e se o tivesse, que fosse impronunciável. sempre em potência. à espera do ser.
coisa, coisa, coisa. três vezes grande na sua onipotência.
que ela comporte tempestades, suporte mil maremotos. e esse vinho que ela contém não se coagule jamais, ainda que o monstro que nela habite se desarvore e queira romper o fluxo. a resignação da coisa.

quinta-feira, 13 de março de 2014

casa

eu volto sempre pra casa. mesmo quando casa já não tenho. eu volto sempre pra casa. mesmo quando a vida fez de mim um errante sem retorno. eu volto sempre pra casa. mesmo quando há um abismo sem ponte no caminho. eu volto sempre pra casa. mesmo quando a neblina cai sólida e instransponível. eu volto sempre pra casa. mesmo quando meu barco resvala para o naufrágio. eu volto sempre pra casa. mesmo quando eu já nem sei quem sou e, portanto, não tenho paradeiro de mim. eu volto sempre pra casa. mesmo quando intuo que o mapa da minha rota nunca foi definido e que essa casa só existe quando eu nego qualquer lugar. minha casa é um estar-aí. a própria impossibilidade do morar.