"Ô, kwandu, vem pra casa que já são horas! Você tá parecendo um marakajá, todo pintado. Vai te banhar, mukura, senão daqui a pouco vai ficar cheio de pira da braba, morada de mikuin. E aproveita para arrumar a boroka, pois vamos viajar amanhã cedinho."
Entendeu alguma coisa? Bem, não sou um Major Policarpo Quaresma que achava que nossa língua oficial devia ser o Tupi-guarani. Amo a língua portuguesa. Mas, sobretudo, amo a língua portuguesa brasileira, cheia de termos indígenas e africanos, repleta de tantas outras contribuições, leve, doce e sumosa feito caju maduro. A minha língua materna.
Hoje é o dia do índio, esse nosso próximo distante. Para homenageá-lo, escrevi esse primeiro parágrafo com palavras do kaapor, língua de uma tribo do Maranhão. Ler essas palavras, me faz tentar compreender melhor o que é ser índio, porque, afinal, a língua é a marca de um povo. São palavras da minha infância, e eu nem sabia que elas eram indígenas. Quando saí do Maranhão, muitas delas se calaram dentro de mim, com o medo de ser incompreendido na metrópole. Me redimo, colocando algumas aqui e reafirmo meu sangue índio.
(O vocabulário para o texto de abertura está nos comentários)
3 comentários:
Vocabulário:
Kwandu = era como minha mãe me chamava, por eu ter cabelo espetado, como um porco-espinho / Marakajá = quando eu aparecia todo malhado, sujo de terra (gato do mato) / Mukura = meu apelido quando eu não tomava banho (gambá, mikur no kaapor) / Pira = quando eu me coçava muito, dizia que estava com pira (significa vermelho, no kaapor) / Boroca = é mala, bolsa. Lá em casa era essa palavra que usávamos (borok, não sei se é kaapor) / Mukuin = aquele bichinho quase invisivel que faz uma coceira danada na gente (mikui, kaapor)
Que maravilha a língua e a cultura ancestral! Adorei este post. Para mim a língua leva a cultura consigo, não percam as vossas raízes por favor.
Beijinhos
Estou surpresa, ou melhor, mais surpreendida com os seus conhecimentos e facilidade em transmití-los em um texto tão bonito!!!
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