quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Sobre olhar inútil

BÚZIOS, CARTAS, TARÔ
Trago a pessoa amada em 3 dias
ligue 2545-0101
Mãe Diana

Eu ia caminhando pela Avenida Rio Branco, na direção da Cinelândia, num daqueles dias em que o olhar está perdido e por mais que a gente o fixe nalguma coisa ou cena, a atitude será das mais completas inutilidades. Com o olhar inútil você vê sem querer, vê mas não enxerga, vê cegamente. Nesses dias o que menos você quer é ver com lucidez. Pois ia pela avenida, saboreando essa inutilidade necessária quando voltei à realidade através de uma espécie de espanto. Me vi diante desse anúncio, pichado grotescamente com letras feias no muro de uma obra. O que queria eu ao despertar justamente de frente para um anúncio tão falso? Olhei para minha mão e o celular já estava sendo digitado: 2-5-4-5-0-1-0-1........
- Alô - uma voz rouca e com pigarro atendeu. - Alô... tô ligando para marcar uma consulta - disse eu, apavorado com minha falta de liberdade momentânea. Sim, porque naquele momento descobri que sou prisioneiro de um outro eu que resolvera se manifestar para, no mínimo, me humilhar na minha descrença.
O consultório astral ficava num velho prédio do Centro. Entrei, subi as escadas de 3 andares e quando dei fé, já estava sentado diante da velha, numa sala mal iluminada com cheiro de mofo e incenso. - Meu jovem, então você quer de volta sua amada, o quanto antes, não é?- Quero sim! - respondi de forma tão abrupta, quase acreditando naquilo tudo.- Faz tempo que ela se foi! - disse a velha, separando as cartas. - Faz tempo! - concordei. Na verdade, eu estava começando a gostar daquele teatro, porque eu nunca tivera uma amada tão amada que estivesse a fim de fazer voltar pra mim. Não, e ali mesmo eu respondia por responder, sem pensar em mulher alguma.
- O senhor pode ir pra casa tranquilo, que ela só pensa no senhor... - Eu sei... - Ela está por perto e vai procurá-lo o quanto antes...E tem mais uma coisa... Me aproximei para prestar mais atenção. - O senhor vai ser papai... Levantei-me, tirei a nota da carteira, dei à velha e saí. Há muito tempo eu estava sem namorada, portanto não poderia ser pai mesmo.
Saí pela rua, louco de vontade de voltar a olhar as coisas inutilmente. Naquele momento eu só não queria pensar na imbecilidade do ato que acabara de cometer.

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