sábado, 31 de maio de 2008

O menino-passarinho


******Vou contar uma história que é a mais pura verdade. Juro!
******Quem me contou foi uma pessoa que viu tudo. É a história de um menino diferente dos outros. O menino-passarinho. Quando ainda estava na barriga da mãe, o bebê demonstrou seu dom.
******Era tardinha, a mãe estava no quintal de casa, estendendo as roupas no varal. Silêncio. De repente, ela escutou o canto de um pássaro. Olhou para as árvores e não viu pássaro nenhum. Parecia que a ave estava perto dela.
******Ao entrar em casa, o canto da ave novamente ressoou. Foi nesse momento que o menino estremeceu em sua barriga. Era ele cantando. E cantou muitas outras vezes antes de nascer.
******A mãe ficou preocupada. Mas guardou o segredo a sete chaves. Não falou nem para o marido.
Quer saber mais? clicando aqui no cronopinhos, você vai ouvir uma gravação dessa estória, com direito a sons de pássaros. Que está esperando?

quinta-feira, 29 de maio de 2008

JA-BU-TI


******Sempre fui fascinado por jabuti. Que bichinho mais esquisito! Na verdade, eu tinha medo da cara dele, que parecia uma cobra velha, desdentada. Por isso, evitava olhar à cara. Mas o casco... sonhava em ser jabuti só por causa do casco.
******Tínhamos três jabotas no quintal de casa. Dois grandões e um filhotinho. Sempre que ia dar banana a eles, me entretia contando os tijolinhos que formavam o casco e viajava. Lembrava da estória do jabuti que teimou em voar para ir a uma festa no céu. Resultado, despencou bonitinho e quebrou-se todo. Até que ficou mais bonito assim, como o piso de uma casa. Na casa de jabuti, ladrilho é telhado.
******Nas brincadeiras, a gente cantava uma musiquinha muito engraçada que fala da dificuldade do jabuti para descer da árvore: "Jabuti sabe ler, não sabe escrever; ele trepa no pau, não sabe descer. lê, lê, lê, lê..."
******Uma vez, sonhei que tinha virado jabuti. Não consegui completar o sonho todo, de tão cansado que fiquei, carregando a casa nas costas. Acordei com o pescoço dolorido de tanto que escondi a cabeça para me proteger dos outros bichos. Nunca mais pensei em ser um bicho desses.
******Já adulto, outro jabuti me fascinou: o do prêmio dos escritores brasileiros, com alfabeto nas costas. Está na minha história: um dia ainda vou ganhar um desses bichinhos aí. Ah, vou!

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Gente que quase nem gente é


Hoje me lembrei das palavras um frade alemão que era pároco na minha comunidade nos anos 80. Frei Estevão. Vivia sempre rodeado de crianças. Era ele quem cuidava com muito zelo dos coroinhas da igreja. Mas era bem severo com quem cometia erros. Depois, com o coração amolecido, ria e terminava dizendo esta frase: "Essa gente, quase nem gente é".
Fiquei pensando nisso. Quando é que a gente se comporta como quase não-gente? O que é ser quase gente? Pra ser gente é preciso o que mesmo? Gente é diferente de bicho? Como? Gente é melhor ou pior do que bicho? Por que só a gente é gente? Gato não é gente, cachorro também não é, periquito muito menos. Se bem que lá em casa tinha uma cadela chamava Kelha e parecia gente. Tinha até rede pra dormir. Quando ia ter os filhotinhos, deitava-se na redinha, balançava-se com a pata feito gente. Aquele bicho quase nem bicho era de tão parecido com gente.
Lembro também do nosso papagaio, o Firulim. Depois que ele perdeu a esposa, morta por um cachorro doido, o bichinho parou de falar e trocou o poleiro dentro de casa pela copa da mangueira. De lá só saía para se alimentar. Nunca mais falou mesmo. Esse bicho parecia gente também.
Ah, saquei a frase do frei. Os homens, quando não pensam, são quase-gente assim como os bichos quando agem como se pensassem, parecem gente. Saudade das verdades do Frei Estevão.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Escrever é...

Fazer terapia de vidas passadas que nunca passaram. Deitar no divã-caderno alucinações. Mudar de alma e corpo sem prejuízo. Viver impossibilidades. Por cor no mundo. Ser Deus só um pouquinho. Fingir o tempo todo. Falar verdades que não precisam ser verdadeiras. Mentir sem pecado. Matar sem remorço. Viver sem fronteiras.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Onde está meu coração?

Um dia caí na besteira de dar meu coração. Ele se foi, mudou de casa e nunca mais veio ter comigo. Eu já não vivo por mim. Não sinto as batidas do meu coração que foi muito imaturo. Bandoleiro. Traidor.
Eu, pobre mortal, esqueci que quando se entrega um coração para outro corpo corre-se o risco de virar zumbi. Quem me vende um coração novo? Quem me doa um coração velho? Não posso viver assim, com este vazio que me preenche a alma.
Não, não devo culpar quem carregou meu coração. Se existe um réu nessa história, sou eu, que vacilei. Não se doa coração assim, na bandeja. Bobíssimo que fui.
O recado que dou a quem percebo que está prestes a fazer como eu: coração não se doa, coração não compra, não se vende, não se tira de si para outro. Coração se partilha com cautela.
Portanto, quando você for amar, por favor, por tudo o que é mais sagrado, ame-se primeiro. Saiba que seu coração não pode pertencer a outra pessoa que não seja você.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Santas sem religião


Os santos. Antes de receberem o aval da igreja são homens comuns, com todos os defeitos e qualidades próprios do ser humano. Mas quero aqui falar de outros santos, que nós nutrimos dentro de nós, que nós exteriorizamos com nossas atitudes ontem, hoje e sempre.
O primeiro deles é a Santa Paciência. Ela realmente deve ser venerada, glorificada e posta no altar de nossa consciência. Quem está irmanado nesta santa, sabe o quão é díficil suportar as relações cotidianas sem a presença dela como guia. Bendita seja, Santa Paciência. Ave Paciência, cheia de graça, que o Criador esteja contigo. Bendita és tu entre todas as santas e bendito é o fruto do teu trabalho em nós. Rogai por nós, pecadores impacientes, quando não tivermos um pingo de tua essência, agora e na hora das nossas vivências. Amém!
Agora cabe falar da Santa Ignorância. Sim, pois ela é santa também. Não confunda esta santa com a burrice, certo? É com Santa Ignorância que nós nascemos, limpíssimos de conhecimento. Essa Santa nos abandona as poucos para que cresçamos como seres dotados de inteligência. Mas não nos deixa sozinhos, está sempre vindo ao nosso alcance, para que não nos sintamos mais deuses do que homens. Ela não quer de nós orações em alta voz. Nossos louvores a ela devem ser silenciosos, para o nosso bem. Ninguém precisa saber que somos devotos da Santa Ignorância. Por isso, Abençoada seja, Santa Ignorância, por nos mostrares o tempo todo nossas imperfeições e incapacidades. Amém!
Qual o humano que não rende homenagens à Santa Curiosidade?! Ela realmente está no altar da humanidade, ladeada de flores e velas. Pois sem ela certamente o homem não haveria progredido. É esta venerável Santa que nos acompanha principalmente quando somos crianças. Ávidos por conhecer tudo, ela, com suas asas protetoras, nos toma pela mão e nos conduz dizendo: "Vá, meu filho, pule, corra o risco em meu nome, busque o novo". Amada seja, ó doce Santa Curiosidade. Amém!
Santa Honestidade. É a ela que rogamos nas horas em que devemos provar realmente quem somos. É a ela que recorremos quando nossa honra está posta em xeque. Nossa oração a ela não deve ser em tom de súplica, mas de agradecimento. Ação de Graças: "Graças e louvores vos damos, ó Santa Honestidade, por afugentar-vos de nossa frágil humanidade os demônios da Arrogância, da Mentira e da Falsidade. Graças por nos fazerdes com um coração puro, límpido como água cristalina". Por isso, abençoada seja. Amém!
Por fim, entre tantos e tantas santas, destaco Santa Alegria. Que seria do homem sem a dádiva do riso? Que seria da humanidade se as bocas fossem mudas, se não demonstrassem felicidade? É a Santa Alegria que cura nossas tristezas, que alivia nossas dores, que clareia nosso íntimo. Salve Alegria, hoje e cada dia, na boca do pobre, na boca do rico, na boca com dentes, na boca desdentada. Mãe dos palhaços, padroeira dos circos, senhora dos espetáculos. Faz com que vejamos a vida como ela deve ser: palco, picadeiro e risada. Amém.
Por isso, vamos rezar esta ladainha, para que sejamos dignos das harmonia na terra.
Santa Paciência, rogai por nós. Santa Ignorância, tende piedade de nós. Santa Curiosidade, intercedei por nós. Santa Honestidade, livrai-nos do mal. Santa Alegria, rogai por nós. Amém.

sábado, 10 de maio de 2008

Mês de Maia ou a liturgia das cinzas e flores


>>>>>Se todos os meses são masculinos no gênero, maio é feminino na essência. Repleto de ícones serenos, como a alma da mulher. Cheio de ardor, como é o amor que só elas conseguem sentir e expressar. Maio é o mês que está sempre grávido de simbologia. Maio deveria ser chamado Maia, escrito assim, com maiúscula.
>>>>>Volto à infância para lembrar os gestos de acolhimento a esse mês. Na madrugada do dia primeiro, nossa mãe nos acordava. O rito. No quintal nos esperavam cinzas de um fogo morto. Olhávamos para elas como se fossem ouro. Objeto precioso o pó que para nada serve. Em seguida, nossa tarefa consistia em contornar a casa com aquele pó, seguindo a linha que separa as paredes do chão. Um quadrado de cinzas. Não lembro de ter perguntado à mãe qual o sentido daquilo. Muito menos me vem à lembrança uma explicação dela.
>>>>>Mas o ritual não parava aí. Tinha as plantas. Não havia uma brecha em que não puséssemos galhos e flores. Nas janelas e portas, os vasos maiores. Pequeno que eu era, às vezes desejava que houvesse mais buracos nas paredes da casa, só para meter neles galhos e flores. Desejo bobo de fazer da casa uma obra surreal.
>>>>>>Mas... por que essa liturgia no primeiro de maio? Cinzas e plantas para o ornamento? Será que as cinzas serviam para que nos lembrássemos de que somos feitos de pó e ao pó voltaremos? E as flores... estavam ali para dizer: "nessa casa habita uma mãe". Morte e vida entrelaçadas naquele ato. Começo e fim. Aviso, alerta... Lá em casa, assim como no poema de Adélia "a fala de minha mãe sossega as borboletas".

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O segredo das conchas

Aos nove anos, caminhando tranquilamente pela praia, o menino observava a multidão de conchinhas. Parecia um tapete reluzente ao sol. Foi então que uma concha brilhou mais. O menino abaixou-se e encontrou uma pérola. voltou correndo para mostrar a descoberta aos pais.
- Uma pérola vale muito? - perguntou ele.
- Vale sim, filho.
O pai vendeu a pedra e conseguiu um bom dinheiro. Melhorou a casa, comprou móveis e colocou o restinho na poupança.
O menino não saía da praia, à procura de mais pérolas. Nunca mais encontrou. Mas ficou perito em conchas. Chegava a dizer que elas falavam com ele. Não se interessava por nada que não tivesse a ver com mar, praia e conchas.
O certo é que quem por ali passar, depois de tanto tempo, verá um menino velho, com uma concha no ouvido, escutando segredos.

Quero o dedo de volta

Dedo-mindinho-seu-vizinho-maior-de-todos-fura-bolo-mata-piolhos. Tô com vontade de dar o dedo pra alguém. Daquele jeito, mirando o dedo médio, o maior-de-todos, bem esticado assim... Toma! Era tão bom... Mostrar o dedo era o mesmo que dizer: "Tô nem aí pra você". Era como dar porrada sem doer doendo. Era o mesmo que mandar fulano praquele lugar, sabe?! Toma! Vai catar coquinho e me deixa na minha.

O dedo mandava toda a energia negativa da gente pro outro, e criava uma bolha invisível de proteção do dedo do outro. Ah! tinha também aquela de encostar os dedos fura-bolo e mandar o fulaninho partir com o fura-bolo dele: "Parte aqui!" E pronto, estávamos intrigados até quase-nunca-logo-depois. Era com esse mesmo dedo que a gente lambia os doces e bolos feitos pela mãe e levava bronca. E não era ele que a gente metia na cara de um só pra impor respeito? Eita dedo bom esse... Era bom levantar o dedão e dizer: "Legal". Era assim que o pai fazia, sem dizer uma palavra, só com o dedão erguido fazia a gente feliz. Depois de adulto, dedo só serve mesmo pra pegar as coisas. Não é mais símbolo de nada.

Quero meus dedos de volta.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Dia do Silêncio


O que dizer no dia do silêncio? Podia colocar um monte de pontinhos nesta página. Mas os pontinhos dariam idéia de ruído. Não serviriam. Silêncio é ausência de som. Podia preencher a página de zeros, conjunto vazio. Mas não, silêncio é um vazio cheio. Lembrei de um poema, feito há algum tempo. Num mundo tão barulhento, é necessário festejarmos o silêncio. Quando as bocas calam e as máquinas cessam, só uma voz deve cantar.

Sinfonia de Silêncios

Eu procuro, há tempos, fabricar silêncios.
Não tiro o mérito das palavras
Mas quero enchê-las de silêncios
Quando as palavras calam, os silêncios dizem muito.
Quero o silêncio do olhar a janela da manhã
Ao sentir o sol e a vida correndo atrás do tempo
Quero o silêncio do ver as ondas do mar se debruçando sobre a areia
Quero o silêncio da grama do parque ao ser pisoteada pelas crianças
Quero o silêncio do mirar o rosto de quem amo
Quero o silêncio do transpor o meu ser para mergulhar nos braços do Criador.
Quero o silêncio duro de uma rocha resignada a resistir
Quero o silêncio suave da folha que cai para tornar-se adubo
Quero o silêncio humilde do grão de poeira levado pela sandália do viajante. Quero o silêncio da noite do campo olhando as estrelas
Enfim, quero compor a mais bela sinfonia silenciosa
E tecer o texto mais perfeito da matéria silêncio
Silencia, minha alma, para que eu seja
E o mundo também.

Sobre água, ponte e barco


Que eu seja ponte. Uma ponte feita do material mais firme para suportar o peso da vida. Uma ponte serena a serviço da unidade. Uma ponte ligando caminhos e desfazendo abismos. Uma ponte que, na sua missão de ser caminho sobre a água, age silenciosamente ensinando o valor do silêncio. Uma ponte que avisa ao caminheiro que as águas sob si também merecem respeito.
Que eu seja água. Água transparente a ensinar o valor da integridade. Água mansa a calma, sem pressa, percorrendo o curso, sem ânsia de chegar ao oceano. Água revolta também, para mostrar aos barcos que em mim navegam o preço da conquista. Água benfazeja, alimentando de esperança outras vidas. Água generosa, a refletir duplamente céu e terra, mostrando que meu corpo é a morada de outros mundos.
Que eu seja um barco. Um barco humilde, porém firme, com vela sempre hasteada para receber os ventos imprevisíveis. Um barco que se deixa singrar na calmaria, sabendo esperar; e que não se abala nas tormentas.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Santos de boteco

Toda tardinha ele chega no bar, senta na mesma cadeira, na frente do balcão, percorre o olhar em volta em 380 graus, parando-o na santa, no altarzinho iluminado com uma lâmpada vermelha e decorado com flores de plástico, tira o chapéu respeitosa e intimamente e diz: "Boa noite, minha preta. Há identificação entre os dois: a santa e o negro Oston. Pedreiro, nego Oston viera muito jovem do Vale do Jequitinhonha para São Paulo. Perambulando pela cidade, nunca se sentiu preso a ela. Por isso gosta tanto das ruas, dos botecos, dos arranha-céus. Trabalha de dia para beber à noite. "Bença mãe, preta"... Fala ele pra santa, mais uma vez. Nunca quis ser ninguém, gente grã-fina, chiqueza do mundo. Deseja apenas sentar ali toda tarde, sem pensar em nada e beber sua cachacinha. É assim há muitos anos. Pra que querer outra coisa? Sempre que pede a primeira dose, se aproxima da santa, derrama um pouco da cachaça e diz: "essa é pra tu, santinha". E bebe o restante. Se a santa bebesse cachaça... se ela percebesse o Oston, o que lhe diria? Homem nasceu pra se contentar com tão pouco? É feliz pra burro o diabo do Oston.

Anestesias ou sinestesias?


  1. Vou sair misturando coisas nesse texto. Tudo porque quero pensar o humano como um poço de sensações. Muitos insistem em ser insensíveis. Burros! vão passar a vida toda engolindo o engolível.Então. Passei essa semana pensando no modo como cada um vê o mundo. Estou no mundo, vejo-o, toco-o, sinto seu cheiro, seu gosto, ouço-o... E se de repente tudo não passar de ilusão? O mundo é ilusão do meu eu. Sim, porque se os sentidos são a ponte do meu ser com o mundo, é claro que é dentro de mim que o mundo se revela. Daí o meu medo. Existe mesmo a realidade? To achando que existe é sensação. A gente vai imprimindo de fora pra dentro.
  2. Pois a resposta está bem onde a gente não espera encontrar: lá dentro. É como se esse mundo, o dito real, fosse na verdade uma cópia muito falsificada do que realmente é. Estamos mergulhados na caverna de Platão. Ou melhor, somos a caverna. E a luz está dentro de nós. Então, é preciso sair para dentro. Agora entendi porque é errado dizer sair para fora. Não é que seja redundande. É que não existe um fora, só dentro. É entrando pra dentro, bem dentro de nós, que saímos pro mundo que se não é verdadeiro, é bem pessoal. Que doido.
  3. Está decidido: quero passar a comer o cheiro, cheirar o som, tocar o sabor, ver o toque e ouvir a visão. Assim, misturando tudo, o mundo será outro. Entrar pra dentro pra poder sair pra fora. Eis o segredo.

domingo, 4 de maio de 2008

Palavras mascaradas

O bico do papagaio
não bica, não bica.
A bala que não se chupa
complica, complica.
A porca que não dá cria
não fuça, não fuça.
A boca que nada fala
ofusca, ofusca.
O pé que não joga bola
Suporta, suporta.
A asa que jamais voa
Entorna, entorna.
O braço que não abraça
Agüenta, agüenta.
O olho bem furioso
Só venta, só venta.
bico, bala, porca, pé
asa, braço, olho são
palavrinhas mascaradas
não caia na delas não.

sábado, 3 de maio de 2008

Sobre peixes e águas



Adoro peixe. Não sei de onde vem esse fascínio por este animal. Não sei se peixe é animal. Tenho a mania de só aceitar como animal aquilo que é bípede ou quadrúpede. Peixe não tem pé.
Gosto de peixe, de comer peixe. Carne saudável. Quando pequeno, achava que se comesse peixe eu aprendia a nadar. Que se chupasse a pedrinha da cabeça do peixe, ficaria inteligente. Nunca aprendi a nadar, nem posso dizer que tenho lá uma mente prodigiosa.
A gente comia peixe até na brincadeira. Riscava um peixe na terra molhada. Depois, dois meninos, cada qual com um bastão de ferro pontudo, ia mirando as espinhas do peixe e lançava o ferro, se ele perfurasse a terra, continuava a "comer" o peixe. Brincaderinha perigosa, mas muito legal.
Outro dia ganhei um livro de poemas que me deixou intrigado. Adivinha o título: "Evangelho dos peixes para a ceia de aquário", do maranhense Augusto Cassas. Belíssima coletânea. O prato principal, peixe, é quem sermoneia pelas águas do maranhão e do brasil. Anúncio de que a mesa está posta e ele será sacrificado pelo bem do homem.
Então, me inspirei e fiz a xilogravura que ilustra esse texto. Que venha a ceia de aquário.

Poeminhos inhos

O sexo das palavras

O boto e a bota /Não podem fazer botinho/ A boda e o bode/ Jamais vão fazer bodinho./ Cigarro e cigarra/ Não gestam a cigarinha./ O galo e a gala/ Não fazem nenhum pintinho/ O pinto e a pinta/Não são da mesma ninhada. /O sexo e a sexa /Não fazem mesmo mais nada.



Sentidos

Me diga já sem demora /Alguma palavra quente: /Paixão, sangue, raiva, vida /Me vieram de repente. / Agora quero só ver/ Se há palavra gelada./ Dor, inveja, egoísmo/ Não quero dizer mais nada. / Pois diga, faça o favor/ Se há palavra amarela/ Tristeza, mágoa, doença/ Que menina tagarela! / Pense e solte num instante/ muitas palavras nojentas/ Meleca, pus, gosma, cuspe./ Soltei outra coisa, agüenta!

Essa vontade de escreviver...


Não adianta fugir. É vício. Em doses pequenas você começa: uma palavra aqui, uma frase ali, uma avalanche lá. As palavras prendem a gente de tal modo que parecemos fantasma zumbiando pela vias do real quando não estamos escrevendo.
Assim me senti no fim do ano que passou. Algo me chamando. Escreva, deixa a preguiça de lado. Senão você pagará caro por essa ausência. Hoje de manhã o susto. Olho-me no espelho e... praticamente nada. O que vejo é uma figura quase invisível, assim como uma névoa. Um ser enevoado foi o que a ausência das palavras me fizeram.
Meu Deus, não... por nada desse mundo quero a invisibilidade.