domingo, 31 de agosto de 2008

O patinho que não era mais feio

História 2. Beleza é pra ser buscada.

O ex-patinho-feio, agora ganso real, resolveu ensinar aos súditos como ter sua beleza.
Instituiu uma lei que racionava o milho no reino. Comer demais para quê? Para ficar gordo? Para despencar as banhas? Para ficar mais desengonçado? Não, não, não. Pato que deseja ser belo tem mesmo é que fechar o bico.
Instituiu também um campeonato para escolher as patinhas mais bonitas do reino. Elas deveriam se inscrever em concurso e desfilar muito bem.
E de repente, os patos súditos andavam parecendo zumbis, olhos esbugalhados, aparência doentia, alguns até perderam as penas. As patinhas adolescentes, coitadas, eram as que mais sofriam, porque idolatravam seu rei e queriam muito participar do campeonato de beleza patal (ou seria patológica?!). O rei chegou ao ponto de decretar o Dia Internacional da Magreza.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O patinho que não era mais feio

História 1: beleza é pra ser notada
Logo depois que a história acaba, o patinho que não é mais feio começa a sentir um troço esquisito. Uma sensação de que ele tinha que ser visto por aquele bando que o expulsou. Esboçou um risinho meio cínico de canto de bico, sabe? Passou a vida toda se escondendo; era hora de dar o troco.
Voltou para seu antigo bando, na beira do rio, próximo ao castelo. Apresentou-se como o patinho feio. Só sua pata-mãe-que-não-era-mãe o reconheceu. Coisa de mãe. O bando ficou biquiaberto diante de tanta beleza. Mas também estavam envergonhados por terem sido tão preconceituosos tempos atrás. Como forma de se redimir do mal que tinham feito, todos concordaram que o mais alto posto daquele reino seria do Cisne.
Agora ele era rei. A primeira coisa que resolveu foi que um reino não poderia viver sem espelhos. Espelhos pequenos, grandes, espelhos nas paredes, no teto, paredes de espelho. Mandou que reproduzissem fotografias de sua real beleza para ser entregue a cada pato do reino. Ao acordarem, todo pato devia olhar para o espelho e admirar-se um pouquinho. Mas depois, devia mirar a fotografia do ex-patinho-feio e comparar as belezas. Isso era ordem e pronto.
Os súditos olhavam-se e, de tanto admirarem a foto do ganso real, começaram a entrar num estado de depressão. Beleza comparada dá nisso. Os patos já nem ligavam em fazer patinhos, as patas nem chocavam mais seus ovos. Todos desejavam ter a beleza do ganso, que estufava cada vez mais o peito.

domingo, 24 de agosto de 2008

O patinho que não era mais feio

Fábula nada fabulosa sobre beleza patológica
Entrou pela perna do pato,
saiu pela perna do pinto.
Senhor-rei mandou dizer
Que você conte mais cinco.

É assim que as estórias de causos terminam nas rodas, diante de um fogo, no terreiro da fazenda. O contador passa a vez para outro contador e uma nova estória começa. Assim, todo mundo, num círculo, não pode deixar a conversa acabar. Tem que fazer girar a prosa.
Pois vou fazer um pouco diferente. Minha estória começa pelo fim de uma outra bem conhecida. Ela termina justamente como a maioria: “Quando todos foram felizes”. Ora, ora... felicidade não se derrama facilmente assim, como fonte do ribeirão. Felicidade é leite que transborda da panela quando menos a cozinheira espera. É lua bem transparente brincando na barra do dia. É folha que vento arranca e sai levando, sem rumo certo. É chuva que pega a gente desprevenido. É fruta madura caindo do pé sem aviso.
Lembra daquela estorinha do patinho feio? O patinho desengonçado que foi expulso do bando e teve que perambular por terras distantes? O patinho que ficou amargando e chorando o fato de ter sido excluído do bando e nem notou que tinha crescido? Tudo isso por causa da feiúra, vê se pode!
Na verdade, tudo foi uma grande confusão. Só para refrescar sua cabecinha, o patinho nunca foi pato. Era um ovo de ganso que, não sei por que motivo, acabou sendo chocado por uma senhora pata que não sabia matemática e era um pouco cega, pois nem notou a diferença no tamanho do ovo...
Vou contar mais cinco estorinhas desse pato-ganso-cisne-sei-lá-o-quê. Foi minha mãe quem me contou. Sim, porque minha mãe não queria que seus filhos crescessem pensando que a vida real é como essas estorinhas onde a última página do livro é sempre fim, e o fim é sempre feliz. Ela me ensinou a pensar no depois. Afinal, final de livro não é final de estória. É só um ponto. Depois do ponto, tudo pode acontecer. No recomeço.
Pois então... Ele não era mais aquele patinho feio, cinzento e desajeitado. Era um belo cisne! E os gansos do lago, admirados com sua beleza, vinham render-lhe homenagens.
A estória diz que ele ficou feliz por não ser mais feio e não estava nem um pouco orgulhoso por ser belo. He-he-he. Quá-quá-quá. Orgulho vem com o tempo, o tempo é quem dita a regra neste mundo, e essas regras valem para gente, planta e bicho.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Desejos

1 - uma casa no campo, rodeada de verde.
2 - um riacho no quintal da casa, com uma cachoeira. 3 - uma sala de livros.
4 - uma sala de trabalho com brinquedos espalhados por todo lado.
5 - uma varanda com rede de tucum.
6 - céu de estrelas.
7 - matas fechadas.
8 - pássaros soltos no jardim.
9 - vontade de contar estórias.
10 - paz, sossego.

domingo, 10 de agosto de 2008

Tresmundos. Resmundos. Raimundos.











Morava numa rua chamada Raimundo.
Um dia, descobri que eu podia sair dali sem sair.
Era só pular o RAI e cair no MUNDO.
Pronto. Eu estava todo feliz.
Só eu e mais as crianças espertas dali
podíamos morar numa rua que era maior que o mundo.
Viva a Rua São Raimundo!

sábado, 9 de agosto de 2008

Quando a música traz o céu para os homens

Sempre cantei. Na minha infância, a rede era a minha nave espacial. Deitava-me e com o pé na perede de barro (casa de taipa) eu impulsionava meu vôo. 10,9,8,7,6,5,4,3,2,1, vrummmmmmmmmmmmmm.

E a canção me levava para as nuvens. Cantar era tão natural... Tão fácil e tão divino. Depois, as 8 anos, comecei a cantar na igreja. Um coralzinho simples, desses de interior que não tem maestro, não tem estudo de música, não tem muitos instrumentos. Só tem a música e o prazer. Pois minha voz se destacava ali. Diziam as pessoas. Era o solista. E acho que ia para a igreja só pela música. Ela me ensinou a percorrer outras estâncias. Me permitia sonhar com um mundo possível. Ela me levava até Deus. Não o deus da minha religião, mas o Deus de todos, até dos que não crêem.

Para você perceber do que a música na voz de uma criança é capaz, veja o vídeo abaixo. Três meninos ingleses encatam o mundo com sua voz. O trio The Choirboys. Nessa hora a gente pensa: "Por que as crianças precisam crescer?".

Jangadeiro, cadê teu mar?


"Minha jangada vai sair pro mar
vou trabalhar, meu bem-querer
se Deus quiser quando eu voltar do mar
um peixe bom eu vou trazer..." (Caymmi)




quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Olho de Ifá

Lá longe, do outro lado do oceano, existe uma terra povoada por muitos deuses e homens. A África. No norte há o deserto. Dunas e mais dunas de areia moldadas pelo vento. No centro, uma floresta cheia de rios, lagos e muitos animais. Mas a ganância fez muitos desses homens escravos. Nos porões dos navios, eles partiam para cá, deixando pra traz sonhos, alegrias e amores. Vendo o sofrimento dos homens, os deuses decidiram acompanhá-los para a nova terra. Um desses deuses chama-se Ifá, o senhor do destino. O vento de Ifá soprava sobre os filhos escravizados para amenizar o sofrimento.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O menino folharal

(Desenho feito num papel de mesa na Taverna do Largo do Machado.)

Esse menino é o guardião da floresta. Na noite, ele vaga iluminando tudo com esse lume. Se algum caçador está por perto, o menino pode camuflar-se em árvore, pois ele já tem pés e cabelos que mais parecem raízes e galhos. Ele tem coração de ouro. E é por isso que muitos homens fingem ser caçadores de animais para tentar capturar o menino folharal. Podem até tentar, mas nunca vão conseguir descobrir seu paradeiro.

domingo, 3 de agosto de 2008

Desejos estranhos

Sabe aquela vontade de alcançar o inalcançável
e atingir o inatingível?
Pois é, ando com estranhas vontades.
Vou citar as dez mais urgentes:
1. pegar estrelas com a mão, 2. montar no rabo de um cometa e sair galopando no infinito, 3. forrar meu colchão com nuvens, 4. cobrir meu telhado com nebulosas, 5. fazer um colar de planetas, 6. me banhar na chuva de meteoros, 7. colocar no dedo um anel de saturno, 8. pular num buraco negro e sair do outro lado do nada, 9. fazer doce de leite com a via-láctea, 10. jogar bola com a lua e adormecer sonhando com todos estes disparates.

sábado, 2 de agosto de 2008

Concha
















Segredo tem que ser bem guardado,
feito pérola bem escondida na concha.
Quem for capaz de ser concha merece muitos amigos.