quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre o "talvez"

Não gosto da palavra talvez, que me coloca numa situacão de indefinição. O trapezista, na corda bamba, tentando se equilibrar. Quando me jogam um "talvez" eu desequilibro o sujeito bonitinho; é melhor saltar logo para o precipício do que insistir em permanecer no ar com esses braços abertos a modo de ave sem asas. O talvez não equilibra ninguém. Não faz de ninguém um sujeito apresentável, não fornece a ninguém um estatuto de sossego porque sua natureza é desassossegada. Quem há de aceitar um "talvez" como resposta absoluta? No talvez não mora certeza alguma. Quente ou frio, morno jamais! Sim ou não, talvez é ofensa gravíssima digna de um chamamento para um acerto de contas. Quem abre a boca para pronunciar "talvez" devia limitar-se ao silêncio cavernoso, para não dizer obsequioso. Quero o sim ou o não. Quero o vou ou não vou. Quero o posso ou o não posso. Quero o sei ou o não sei. Talvez é ofensa. Coisa de quem nasceu para ver a vida acocorado em cima de um muro.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

To indo...

To indo...
Essa expressão revela muitas coisas quando tenta na verdade encobrir. Você encontra um amigo que há muito não via e pergunta: "Fulano, como vai?". Ele responde: "To indo". Você traduz para algo como: "Tudo está na mesma pasmaceira!". Quando os namorados dizem que o relacionamento está indo é porque está estancado na rotina. Quando o filho diz aos pais que na escola tudo está indo, há um sinal soando aí, indicando inércia. Ou retrocesso. Ou rotina. Ou mesmice. O que dá na mesma.
To indo é uma expressão que que usa o verbo estar, indicando estado temporário, mas o verbo ir no gerúndio denuncia uma lerdeza, um movimento lento, em câmara lenta.
To indo é o contrário de "fui", gíria que significa rapidez, fluidez, avanço temporal, um futuro que ser quer pretérito o quanto antes.
Quando alguém te perguntar como vai a vida e você responder que "tá indo", cuidado. Suspeite de você.

sábado, 2 de julho de 2011

Alado Desejo

Tenho sido visitado por pássaros. Começou assim...

Numa dessas tardes em que eu havia me deitado para um cochilo daqueles que nos convocam para lubrificarmos as peças do relógio mental, ouvi um barulho como que hélices de um pesado helicóptero. Estava sonhando que a aeronave pousava sobre mim. Abri os olhos, aflito. Flutuando sobre minha cabeça, há um metro, um beija-flor. Os sonhos engrandecem os sentidos, não é? Aquela ave ruflava suas asas sobre mim, imóvel no ar. Ficou ali como um mensageiro. Se eu fosse supersticioso, logo me pegaria imaginando que recado ele me traria. Foi embora pela fresta da janela.

Desde então, a qualquer hora do dia, eles aparecem, pela sala ou pelo banheiro, cruzam em diagonal o meu quarto e procuram a primeira janela entreaberta para evadirem-se. Outras vezes, flutuam um pouco no centro do quarto ou pousam sobre a cortina, ficam um pouco e partem. Serão os mesmos pássaros? É o mesmo beija-flor e o mesmo sebinho? Ou são inúmeros pássaros disfarçados querendo saber deste humano? Continuo no computador, fazendo minhas coisas, ou lendo um livro, preprando aulas... Eles se vão. Entretanto, parece que estão levando um pouco de mim a cada visita. Sim, um pouco de mim quer e vai com esses pássaros ladrões. Pássaros libertinos. Sinto que é minha alma que eles levam, um pouco, a cada visita. E é por isso que os entardeceres estão desabando sobre mim de outras formas. Me debruço na janela, contemplo as árvores do outro lado, na rua de subida. Um pequeno bosque. Na certa os pássaros vivem ali.

Que quero eu a investigá-los à distância? Que quero eu com os pedacinhos de minha alma que se foram? Que quero eu se esses pedacinhos anseiam por aprender a gramática das aves, a sintaxe do voo e a morfologia do canto perfeito? Que quero eu do que não é mais meu, do que, talvez, nunca fora meu?