sábado, 27 de abril de 2013

espelho

"Agora nos vemos como num espelho, mas então veremos face a face". Esse texto anda comigo há muito tempo. Como num espelho. Uma imagem de mim, que sou outro, o contrário. E por mais que eu mire, só vejo o que não sou. E por mais que eu contemple, só vejo o que nunca serei. Não sou eu que está lá; é um outro que não existe, a não ser como uma imagem. Face a face. Então, não serão dois rostos na suprema miragem? Não, é uma face ao contrário, desfocada, num lugar que não existe, o outro lado, uma impressão do aqui, mas está lá dentro do espelho. E cisma em ser mais forte do que eu. "Mas então veremos face a face".

sexta-feira, 19 de abril de 2013

sem título

E se você não for louco o suficiente para entrar na minha dança? E se você não for bastante esperto para perceber que é o peixe que contém o mar, que é o pássaro que contém o céu, e não o contrário? Eu compartilho contigo a minha aflição de existir. Mas não desejo que você me traga a cura. Eu te ofereço meu silêncio que, embora nada diga, é meu tudo.

terça-feira, 16 de abril de 2013

eu andava por copacabana. despretensiosamente. entrei numa galeria que se julga shopping. velharia com cisma de novo. o olho da cara. a cara do olho. o olho. só queria fazer um poema. sobre ranços. sobre mofo. sobre almas. é que velharias têm mais alma que corpo. numa vitrine, o susto. um trio de pequeninos rinocerontes, meio madeira, meio cobre. me chamaram. ficamos nos encarando. eles eram a poesia que eu buscava. eles, presos, tão delicados e ao mesmo tempo. tão. rijos. quando quis fotografá-los, quase quebraram os lustres e espelhos franceses, os azulejos italianos, os vasos chineses... quase promoveram um extermínio. fiquei foi quieto com esse "quase" irracional deles. poema dá prejuízo. imaginei o diálogo deles, à noite, com os bibelôs, o passeio nas paisagens dos finos azulejos, o desdém da áfrica com a europa de luís XIV. disse que ia buscá-los. mas eles me disseram que não sou digno deles. a poesia tem o peso deles, a couraça deles, a sua irracionalidade. religião pura. minha santíssima trindade africana.

domingo, 14 de abril de 2013

quem me falou o que é mistério nem tinha voz. quem me mostrou o mistério nem tinha olhos. quem tocou no mistério não tinha dedos e corpo e pele e ossos. quem me apresentou o mistério foi a dor disfarçada de amor. ou será que foi o contrário? mistério...