terça-feira, 30 de setembro de 2008

Apenas um vaso


Daquele amor. Só isso restou. Um vaso. Logo a coisa mais frágil. Escapou. Intacto. irônico. O amor é assim. Cheio de sortilégios. O amor é uma tormenta que pega desavisado o barco dos amantes e estraçalha.
Amor gosta é de aventuras. Amor odeia calmaria. É isso. Num dia os olhares se cruzam e tudo é fogo. No outro, tudo é indiferença. E naufrágio. Os gestos, as palavras, os e-mails. Tudo vai pro escambau. Porque não se partilha indiferença. Porque não se banha com água gelada. Porque nem sempre somos alimento perfeito para a fome dos outros.
E apagou-se o fogo.

domingo, 14 de setembro de 2008

Morto rico, moço pobre: e o diabo no meio

Vou contar uma estória que me vem à memória.
Foi meu vô quem contou. Assim mesmo falou:
- Muito tempo atrás um humilde rapaz
foi dormir, teve um sonho e acordou bem estranho.
não contou pra ninguém; não podia também.
No seu sonho, um morto aparece disposto
e pergunta ao rapaz se ele era capaz
de enfrentar os seus medos. Revelou seu segredo.
O fantasma era nobre; e o moço, bem pobre.
Um morreu na riqueza; outro, nada na mesa.
A riqueza do morto esperava no horto
o futuro ricaço; era fácil dar o passo.
Só bastava coragem, não perder a viagem
O diabo à solta sairia da moita
pra espantar o fulano e acabar com seus planos.
E o morto, coitado, viu-se já condenado
a morar para sempre num braseiro bem quente.
O rapaz corajoso disse: "saio do poço
dou um jeito no diabo amarrando seu rabo".
Meia-noite, no escuro, o rapaz vai seguro
escondido num couro, ele imita um touro.
lambuzado de enxofre, o rapaz dá galope.
Eis que o diabo aparece, e o touro estremece.
- Quem vem lá, diz o diabo. Está desconfiado.
- Sou o touro do inferno, diz o moço, bem terno.
- Nunca vi tal feiura, diz o demo à altura
- Pois não sentes o cheiro? De enxofre estou cheio.
- Sinto o cheiro, é verdade. Mas não é novidade.
Sim, eu nunca me engano, para mim és estranho.
- Pois o dono do inferno sou eu mesmo meu velho
O rabudo sou eu, tudo aquilo é meu.
O diabo berrou, deu pinote, pulou.
Nunca ouviu um insulto mais medonho e absurdo.
- Então como é que é? Será que sou mané?
- Sim senhor, sempre soube, que você era pobre.
Nunca teve um quinto dos infernos, não minto.
Você é um demônio bem esperto e risonho
É melhor ser assim, trabalhando pra mim.
- Eu nao tenho um dono, sai pra lá, seu insano.
- Hehehe, olha o rabo, ele é o teu ponto fraco.
- Tenho o rabo maior, e o meu cheiro é pior.
- Então vamos medir nossos rabos aqui.
O rapaz tinha um trunfo. Era o seu triunfo
Um cruz no seu rabo, amarrou-a no diabo.
O sopapo foi grande. Um gemido gigante
O diabo bufou, tudo desmoronou.
E o rapaz viu o ouro reluzindo no horto.
A botija surgiu e o morto sorriu.
Morto enfim descansou, jovem rico ficou
E o diabo enganado teve raiva do rabo.

sábado, 13 de setembro de 2008

De Banzo

É assim: você acorda, liga o computador, vê as notícias, dá conta das fofocas, checa os e-mails, vai pra rua, olha os prédios, as pessoas, o cachorro, dribla o cocô, compra jornal na banca e procura não sei o quê. Depois, volta pra casa com a sensação de que perdeu algo que não sabe definir. Na verdade você só está perdido de si.
Isso é banzo. E para estar de banzo têm muitos motivos. O meu banzo é ancestral, saudade da minha terra. Você pode dizer: "Ué, então compra passagem e voa pra lá. Vai matar a saudade, antes que ela te mate..." E eu digo que não vai adiantar porque a saudade é de uma terra que não existe mais nem no tempo nem no espaço, de pessoas que hoje não são as mesmas de antes, de momentos que são uma neverland da memória. Quem é estrangeiro sabe do que eu to falando.

Sinto-me oco, só isso. Eu posso ficar assim, não posso?! Então me deixa quieto no meu canto!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O patinho que não era mais feio

História 3. Beleza é pra ser medida
Antes dos desfiles, as patinhas magrelas tinham de passar antes pela balança. Não podiam estar pesando nem um miligrama além do permitido. As patinhas modelos ficavam em polvorosa, aflitas... e uma semana antes não bebiam nem água, com medo de engordar. Bico fechado.
O ex-patinho-feio, agora o mais belo de todos os belos, achou por bem estender aquele decreto a todos os súditos. Ou seja: uma vez por mês seria o Dia da Balança. Nesse dia, todos os patos deveriam pesar-se diante do rei bonito. Caso alguém passasse do peso ideal, teria seu milho confiscado. Os patos mais esbeltos do reino assumiram o ofício de ser personal trainers dos demais. Mais um decreto do ganso rei bonito: abrir academias para fazer com que os patos perdessem calorias:
Um, dois, não tem mais arroz
três, quatro, beleza pro pato.
Cinco, seis, suor pra vocês
sete, oito, cadê o biscoito?
Nove, dez, pulando outra vez.