domingo, 22 de junho de 2008

LIVRO URBANO DO RIO DE JANEIRO

mol-dura
nas paredes da cidade/
arte em toda parte
será que a arte/
cansou das galerias?
Trangressão? Subversão? Pichação? Arte?
Como definir as pinturas, inúmeras, que se espalham no tecido urbano? O graffiti (ou grafite) há muito tempo ganhou status de arte e já entra pela porta da frente das galerias. Os desenhos, que podem ser figurativos ou abstratos, chamam atenção pela riqueza do colorido e detalhes.
Já há algum tempo eu ando mirando meu olhar para essa arte urbana. Mas chegou um momento que eu não queria só olhar, queria capturar cada página desse livro de folhas soltas e duras. Sim, porque também identifico o grafite como literatura contemporânea. E é assim que agora publico fotos de murais pelas ruas da cidade do Rio, sempre com um microconto ou um poeminho inspirados na ilustra.
Graffiti na entrada de uma vila na Rua do Catete, Rio de Janeiro

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Estações: haicais

Explode o ipê
em tons de amarelo vivo
aninham-se as aves.


No céu as gaivotas
recebem o sol com festa
a pesca é farta.


As árvores nuas
o chão coberto de folhas
outono chegou.

A brisa gelada
enruga a pele do sol
e traz o inverno.

terça-feira, 17 de junho de 2008

HAICAIS: Concerto para a fuga do sol

As nuvens se agitam
na crina do alazão
galopa o vento.


A fruta madura
Festeja o tempo da espera
caindo no chão.


Nos campos floridos
abelhas são beija-flores
paquerando a vida.


O mú da vaquinha
é voz da mãe carinhosa
bezerro com fome.


A tarde derrete
as cores do arco-íris
num imenso vermelho.

domingo, 15 de junho de 2008

Haicai: arte de dizer tudo com pouco

Temos muito que aprender com os orientais. Sobretudo a valorizar as pequenas coisas, os instantes, os fragmentos descuidados do tempo. Palavras são importantes, mas que tal usá-las na medida certa? Os haicais fazem parte da sabedoria japonesa. São poemas de três versos de 5-7-5 sílabas. O tema é a natureza flagrada num instante. Uma fotografia em movimento. Um gesto. Um sensação. Um quê de beleza. A partir de agora, publico algumas tentativas. Confesso que ainda me faltam olhos de lince sobre as ínfimas grandezas. Um dia ainda aprendo. Oxalá! Segue o promeiro tema. Noturno.

Atrás da ramagem
A voz do grilo é faca
cortando o luar.
Um mapa no céu
cometas levam desejos
na noite escura.

No espelho da água
brincam formando espirais
os pingos de chuva.


sábado, 14 de junho de 2008

Bichos de estimação VI


Traça: esse bicho parece que engoliu soda cáustica. Adora roer, roer , roer. O poder da traça, nenhum outro bicho tem. Ela vive naqueles que deixam escapar os desejos, amores e paixões pra debaixo do tapete do coração. É aí que a traça mora, e vai roendo, essa morta-de-fome.
De repente o humano se surpreende quando procura um restinho de desejo, esperança, amores. Cadê? Foi tudo traçado. Aos apaixonados pela vida, um conselho: "Cuidado para não varrerem seus sonhos e relacionamentos para debaixo do tapete vermelho do ego. Não alimentem as traças com a comida que vocês podem saciar os homens".

terça-feira, 10 de junho de 2008

Bichos de estimação V


Bicho-preguiça: Os homens que abrigam esse animal vivem numa vagarosidade de dar dó. São incapazes de mexer dois músculos ao mesmo tempo. Gastam boa parte do tempo programando o futuro e esquecem de viver o aqui-agora. Homens que são jaulas para os bichos-preguiças aguardam a hora não se do quê pra fazer não sei o quê. Além disso, perdem um bom tempo ruminando o que passou. Pendurado nos galhos das árvores pretéritas, vão mastigando verbos: eu fui, eu era, eu tinha, eu fazia, eu sonhava, eu queria...

sábado, 7 de junho de 2008

Bichos de estimação IV


Barata-tonta (periplaneta tonta): Inseto que habita a cabeça de pessoas que não sabem o que querem da vida. As baratas-tontas simplesmente deixam o hospedeiro sem rumo, como se estivesse perdido num labirinto. Pessoas hospedeiras das baratas-tontas giram em torno do seu próprio umbigo-planeta, sem resolver absolutamente nada. Resumindo, são uns palermas.
Lacraia (scorpionis diabólicus): Fuja de pessoas hospedeiras desse bicho, pois elas lançam veneno fulminante em suas presas e sugam sua alma. O ferrão dessas pessoas está na sua própria língua. Convivendo com pessoas repletas de lacraias é que sabemos o quanto a palavra pode ser diabólica.
Piolho anoplura. Inseto abominável que vive parasitando na cabeça de certos humanos, alimentando-se de seus neurônios. É fácil encontrar esse tipo de parasita na escola, no trabalho ou em qualquer atividade em grupo que exija um mínimo de esforço mental. Sempre há um piolho sugador da capacidade humana.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Bichos de estimação III


Bicho-de-pé (tunga penetrans): é um tipo de inseto que resolve pegar no pé de gente chata. Se você é do tipo que gosta de grudar no pé dos outros, chato, cuidado! Você pode ser visitado pela fêmea do tunga penetrans. Um chato já é chato, e um chato morando dentro de outro chato, sai de baixo!
Pulgonis pulgônica (Sifonaptera felis felis): Mora atrás da orelha dos desconfiados e quanto mais desconfiança, mais ela pica o hospedeiro e lhe tira o sangue, feliz, feliz, como o nome já diz. Para não ficar com pulga atrás da orelha, corra de gente falsa.
Micuim diminutus. Tamanho não é documento. Esse bichinho minúsculo costuma morar na floresta pubiana ou escrotal, ou seja, ao lado de uma cobra que quanto maior, mais deixa seu dono feliz. O micuim causa irritação no dono, que coça o saco direto para satisfazer os intintos desse bichinho pernicioso. Não se sabe qual dos dois é mais escroto, o hospedeiro ou o micuim.
Carrapatus no sedém. Outro chato de galocha. Vive afundado no sedém de quem não pára quieto. Se você sente uma coceirinha lá no olho do --- que o impede de sentar-se por um instante, é bem provável que você pegou esta moléstia dos cachorros.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Bichos de estimação II

Lombrigolus Malévolus. Habitantes de barrigas famintas, estes vermes se alimentam das palavras que seus hospedeiros engolem sem querer. Estes bichos não param de perturbar o homem para que este não tenha forças para falar. Assim o homem cala, ouve o que não quer e engole seco ofensas, calúnias e difamações. As lombrigovskis fazem a festa.

Solitáris Tentacionis. Também vivem transitando pelo trato intestinal, mas apenas de pessoas que não mais abrem a boca, pois esqueceram como usar as palavras. No silêncio absurdo do corpo humano, as solitárias crescem felizes. São as maiores inimigas da palavra.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

bichos de estimação I

Somos zoológicos ambulantes. Temos uma fauna morando na gente. Por isso vou falar de alguns bichos nos próximos posts.
Acarus Intelectualis. Bichinhos microscópicos que moram no escondido da mente dos intelectuais e vão comendo as sobras de suas memórias, aquilo que o intelecto deixa para trás. O Acarus morre e sua carcaça vai deixando o intelectual com alergia a burrice.
Acarus Burralis. São da mesma espécie mencionada acima, mas habitam a cabeça oca dos ignorantes. Como não têm nada para roer, esses bichinhos aproveitam para comer as paredes da mente do hospedeiro. O cocô e os corpos mortos desses bichos às vezes dão a sensação para o humano hospedeiro de que sua cabeça está cheia de algo útil. Coitado! O pior burro é aquele que se acha inteligente.
Acarus Raivosus. Espécie que provoca irritação no hospedeiro para que este libere a raiva, alimento deste bichinho. O hospedeiro do Acarus Raivosus sempre anda armado até os dentes, pronto para meter porrada em quem aparecer na sua frente. Esses bichinhos são vorazes e só quanto mais se alimentam da raiva, mais raiva produzem.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Encontro do Amor com a Paixão

Há notícias que parecem ficção de um jeito que se fossem realmente inventadas, o escritor ia ser nocauteado por escrever obviedade. Pois essa notícia da Folha on line é tão inusitada que merece figurar no meu blog. Segue e me diga se não é coisa de novela.

STF rejeita pensão para mulher que teve 9 filhos de seu amante por 37 anos
FELIPE SELIGMANda Folha de S.Paulo, em Brasília

********Entre os mais de 100 mil recursos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), um deles chamou nesta terça-feira a atenção dos ministros da 1ª turma da Corte: a relação entre o fiscal de renda Valdemar do Amor Divino e sua amante, Joana da Paixão Luz, ambos baianos. "Com o sobrenome de ambos, estava escrito nas estrelas que eles tinham que se encontrar. É o encontro entre o Amor e a Paixão", brincou o ministro Carlos Ayres Britto.
********De fato, eles se encontraram. Do amor, que durou 37 anos, nasceram nove filhos. Valdemar morreu no final dos anos 90, mas não foi Joana quem recebeu pensão.
********O direito ficou para sua verdadeira esposa, Railda Conceição Santos, com quem Valdemar teve outros 11 filhos. Joana, porém, pedia a partilha dos recursos pagos mensalmente para Railda pelo Fundo Previdenciário dos Servidores Públicos da Bahia, alegando relação estável.
Pra não dizerem que minto, segue o link do jornal: Jornal a Folha

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Maria da Conceição

*********Ceiça foi uma menina comum, brincava com boneca, como qualquer outra menina. Seu quarto era repleto de bonecas, de tamanhos e tipos variados. A menina passava o dia brincando com elas. Não queria outra coisa senão suas bonecas.
*********Todo menino e menina sonha com alguma profissão. Uns querem ser médicos, outros sonham em ser professores...outros, arquitetos. Sempre que perguntavam a Ceiça sobre o que ela queria ser, a resposta vinha urgente, com uma ânsia:
*********- Quero ser mãe!
*********Nunca nenhuma menina tratou tão bem suas bonecas quanto Ceiça. Se boneca tivesse juízo, as dela amariam demais sua mãe humana. Iriam rezar para o bom Deus das bonecas em agradecimento por tê-las ofertado uma mãe tão prestimosa. A menina não se interessava por nada na escola que não fosse prendas do lar. Pensava nas suas futuras filhas. Em como elas seriam educadas...
*********Aos 13 anos, Ceiça foi seduzida por um rapaz. Ele a possuiu. Ela sentiu dores ao perder a infância. Não sentiu prazer pois essa palavra não havia tomado formas no seu corpo de criança. Mas fez porque quis. Ela mesma disse aos pais. Nove meses depois, Ângela largou as bonecas e começou a cuidar de sua primeira filha. Nunca mais ela teve sossego na vida. Percebeu que boneca é o ser mais obediente da face da terra.
*********E foi ser feliz... na sua dor materna.

domingo, 1 de junho de 2008

Três Mariazinhas.


I. Maria dos Anjos
Ninguém achava que Maria ia vingar. Parecia destinada a virar anjo antes mesmo de provar o gostinho agridoce da humanidade. Maria dos Anjos foi chamada assim por isso. “Já que ela não vai ficar muito tempo viva, melhor batizar com esse nome...” - disse a mãe. A menina demorou a nascer. Sofrimento para ela e para sua mãe. Estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Só promessa mesmo talvez desse certo. De modo que a menina nasceu fraquinha, sem forças...
----------Maria Anja, como era chamada, resistiu. Como fruto novo que resiste ao vento gelado e ao sol, ela foi forte. Mas era como se Maria vivesse mais pra lá do que pra cá. Não se enturmava com outras crianças. Nem fazia muxoxo se não dessem por sua presença. Era feliz demais a menina. Tão feliz que se bastava. E se bastando, sobrava a natureza. O lago, ah, o velho lago rodeado de árvores... Era ali que a menina vivia a maior parte do dia. Contemplava o mundo do lago. O mundo refletido tremia, e isso a fascinava.
----------Sua brincadeira era jogar pedra na água para ver os círculos concêntricos se abrindo e se expandindo até sumirem. Chamavam-na de louquinha por isso. Ela não queria outra brincadeira. Se louco é aquele que joga pedra na lua, ela não era, pois jogava pedra no lago. Não fazia mal a ninguém. O lago não sente dores. O lago achava graça até. E os cisnes vinham fazer o percurso dos círculos.
----------Maria via nos círculos o mundo girando, e via também o sistema solar girando. E via a galáxia girando. Girando...girando....os pensamentos dela giravam. Então ela se levantava, abria bem os braços e rodava, com o rosto voltado para o sol. Felicidade assim nenhum humano pode experimentar.
----------Uma vez Maria sumiu. Dizem que ela caiu no lago. Ninguém achou seu corpinho. Dizem que ela foi raptada. Dizem que dizem. Maria simplesmente descobriu que tinha asas. E foi para um lugar que era eternamente dela.
A estória II está aqui no cronopinhos. Clica aí e ouça a vidinha de Maria do Céu. A terceira estória, aguarde.