quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

luzeiros

De repente, comecei a catar estrelas na noite embaçada do Rio. De repente, esse desejo premente de rever o céu constelado de outrora, em outro lugar, quando não havia luzes na terra ofuscando os luzeiros celestes. E me pego, quase sempre, traçando mapas no céu, com as estrelas que furam a luminosidade artifical da cidade. arredias e insistentes. Por iso gosto delas. Meu traçado é auxiliado por um programa que tenho no meu tablete. Eu o aponto para o céu, e ele me mostra os astros. E eu viajo, observando planetas, nebulosas, estrelas... No momento, estou fascinado pela constelação de Órion, que parece uma borboleta, com as Três Marias ao centro. Sou doido no meu devaneio?

domingo, 26 de fevereiro de 2012

inconsciente periférico



dei agora para recolher velhos teclados de computadores nos lixos.
foi quase como uma visão que isso começou. andando pelas ruas do centro, de repente, estanquei-me diante de uma dúzia de teclados na calçada. uns pretos, outros brancos. havia um colorido até. antes, eu não reparara direito na poeticidade emanada desse periférico. ele é uma espécie de ponte que nos liga ao mais recôndito da máquina. ele é o tradutor da lingua estranha do computador, que , no fundo, somente computa, processa cálculos, matematicamente vai transformando nossas ideias. o teclado no salva do cálculo. nos introduz, leigos, no interior da máquina. nos salva de nossa ignorância.
pois comecei a juntar teclados velhos.
em casa, eu os abro, separo as folhas transparentes e as teclas; separo tudo e guardo em potes, como se guardasse um grande tesouro, uma botija desenterrada. inicialmente queria fazer poemas com isso. até já tracei vários esboços. estou apenas esperando que as teclas mesmas falem por si, me guiando para o poema que elas querem gerar. já experimentei jogá-los sobre as molduras, feito búzios; o resultado me assustou, me deixando no espanto, um assombro que talvez seja o medo de mexer com o indizível. passei a traduzir tudo como recados não sei de quem, vindos não sei de onde.
meu projeto vai se chamar "inconsciente periférico". acho que é isso. ou mesmo "teclário".
tem gente que mora no tempo das delicadezas; eu moro no tempo das esperas.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

quando quiser e não souber falar, quando as palavras se perderem no labiritno do seu ser, quando não houver sequer a graça de esboçar um uivo gutural, ermo de sentido... 
aí mesmo é que o teu silêncio será fecundo, como semente que esperou no escuro da terra o momento propício para a explosão do gênesis. aí será a hora de deixar que o silêncio se cumpra soberanamente. é preciso mesmo ter que falar? é necessário encher o mundo de palavras vazias, qual tronco oco de árvore morta? o vento em seu barulho, brisa ou redemunho, diz mais.
por que a vontade de dizer coisas, e bradar desimportâncias? por que essa fremente urgência pela palavra reconfortante, se tudo é fugidio, e as palavras, mascaradas habitantes da mais confusa babel? por que o desejo de dizer o que não interessa a ninguém, nem a ti? por que tantos porquês? palavras, quase sempre, não suportam a linguagem da alma. 
o mundo e os homens precisam é do mergulho no cardume de silêncios.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Fantasia pelo caminho

As fantasias ficaram pelo caminho, aos restos. 
Penas, lantejoulas, serpentinas, festões... no caminho de volta para casa, a alegria encorajada pela máscara. Tão fácil ser feliz sob plumas e paetês! Mas agora é depois. Depois do carnaval. E o mundo voltou a ser normal. Ou quase, porque normalidade e humanidade têm naturezas que não se mesclam. 
O mundo voltou ao riso cotidiano, sem deboche, sem crer que o riso sem motivo salva o mundo. Debochamos de Rico e do Pobre, da Luz e da Treva, de Deus e do Diabo. Debochamos de nossas tolices, e vergonhas, e desfaçatez. Debochamos da Vida e da Morte. Quero ver rir agora, no transcorrer do ano, quando o corpo vai obrigado ao trabalho, e o humano se subordina ao chefe, ao tempo, ao mesmo.
Está decidido. Não quero a alegria que me consome o corpo. Quero a alegria que me consome a alma.  Depois da alegria desmedida, quero a "perfeita alegria" pro resto do ano, que não é pouca coisa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

crônica sobre autor desconhecido


odeio autor desconhecido. odeio mesmo. não aquele desconhecido porque a mídia não o viu, ou não quer vê-lo. não é esse desconhecido que é objeto da minha crônica ferina e ferida. odeio o desconhecido que tenta manter-se desconhecido a qualquer custo. que não se compromete com o que escreve, seja poesia barata, seja crônica infeliz de autoajuda, seja o diabo. odeio esse autor que, para ter um texto lido pela grande massa incapaz de pesquisar origens, usa criminosamente o nome de outro autor famoso. e o texto ganha dimensões, se agiganta, se desdobra e passa a frequentar, inclusive escolas, num desserviço ao pensamento reflexivo.

odeio esse imbecil que não se apresenta com autoridade. que promove a deturpação da literatura, ainda que eu não concorde com os termos “alta” e “baixa” literatura. estou falando de valores ou contra-valores disseminados num ingênuo texto anônimo que recebe a patente de autores consagrados. Infelizmente poucos leitores têm a competência para perceber que há alho de muito errado no estilo desses textos, não combinando absolutamente com sua autoria. de repente, vejo uma Clarice Lispector dando conselhos chulos para os amantes, apresentando-se como uma alma caridosa, religiosa até, coisa que nada tem a ver com a grandeza dela. do mesmo modo, vejo Shakespeare falando como ser feliz, como amar e transcender, como ser piegas. ainda vejo um Drummond tão meloso, dando conselhos moralizantes para a felicidade geral da nação neoleitora (danação). vejo Bob Marley falando de vida como se fora um adolescente. vejo, igualmente, um Mário Quintana quase como um pregador das verdades celestes dizendo o que devemos ou não fazer para ganhar a vida eterna. (para continuar lendo, clique no link seguinte)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Presentes quase impossíveis

- Mãe, se eu te pedir uma coisa, cê me dá?
- Claro, filho, qualquer coisa.
- Qualquer TUDO mesmo?
- Bem...qualquer tudo não é coisa demais, querido?
- Então não pode me dar qualquer coisa...
- Posso... qualquer coisa que esteja ao alcance de uma mãe.
- Tipo assim... cê não pode me dar a lua...
- Posso sim, olha pela janela, a lua tá lá longe, mas eu vejo ela dentro dos seus olhos. Então já é sua.
- Só minha?
- Só sua. Esta com você já. Agora voce é meu menino dos olhos de lua.
- Mesmo, mãe?
- Mesmo mesmo. E tem mais, são duas luas dentro de você. Uma para cada olho.
- Uau! E se eu te pedir mais uma coisa, cê me dá?
- Pede, filho!
- O mar... se eu te pedir o mar...
- Dou sim, espera aí que a mãe já volta com ele -  vai até a cozinha, pega uma pitada de sal joga num copo de água e volta para o quarto trazendo também uma concha marinha.
- Pronto, prove está água. Se você sentir o gosto do sal é porque o mar cabe dentro de você.
- Senti, mãe. Mas não vi o mar dentro de mim.
- Todo sal é água pronta para ser mar outra vez, amor. Agora pegue essa concha e coloque no ouvido...
- Tou ouvindo as ondas, mãe!
- Então significa que o mar está dentro de você.
- Bacana.Sou um menino-mar.
- E agora é hora de dormir. Amanhã te  dou o mundo, se você quiser.
- Não quero mais nada, mãe... Só uma coisa.
- O quê?
- Um beijo da melhor mãe do mundo.
A mãe beijou o filho com ternura, beijo quente com sabor de super-mãe, apagou a luz e o menino dormiu.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

gaiola branca

O que faço com essa página em branco? Me diz. O que faço com o nada? Quer, por favor, me dizer? O que faço com o que inexiste e é todo grande aqui, neste espaço, me encarando sem olho, vociferando contra mim sem boca? O que faço com a não-matéria que, por não existir, deveria ocupar espaço nenhum, e aqui me cerca? Esse branco de página, qual branco da vida, é lume crepitando e quer me queimar. Se se queimasse sozinho, eu poderia tomar um resto de carvão para tentar o desenho, rabisco, mais fácil do que palavrar. Esses monstros não suportam páginas em branco. Gaiolas brancas. Eles nunca terão a mansidão porque habitam a terra do... não sei que terra habitam essas pestes. Então me calo e peço que te cales. Te envio a gaiola vazia, a página em branco, para que tu leias o nada que é meu tudo. É o melhor que posso fazer.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

vento



Porque tudo é trânsito e passagem.
Não devo me apegar a nada que não seja pés e asas e sonho. E o que não se vê tem o peso brutal de toneladas. O que não visto, que nos rodeia, o oxigênio incolor porque tem todas as cores e cheiros e sabores reunidos na essência que pura doação.
Se assim não fosse , se o visível, já queríamos prendê-lo, dividi-lo em pedaços, compartimentá-lo igual latas de conserva das prateleiras dos supermercados.
Mas tudo não vai ser mais. Tudo será o não-ser e é para isso que caminhamos, todos, bichos, homens, plantas, pedras. Escuto o barulho do vento. Sinto seu sopro no rosto. Escuto e sinto, mas não o abraço enquanto sigo. Ele é que me abraça.
Então, como posso não perceber que esse abraço é que me mantém?