quarta-feira, 30 de junho de 2010

Tempo de guarnicê

Meu boizinho morreu. Foi depois do São João do Maranhão. Eu parti pras bandas do sul e o boi não quis ressuscitar. Chamem o xamã, o ancião curandeiro. O pajé guajajara venha cá trazendo seu mato sagrado. Acuda-me o preto-velho com sua fumaça-ungüento. Socorra-me o humilde padreco com sua água benta e incenso fumegante. Meu boizinho precisa viver.
Oi boi, oi boi
Bumba, bumba, meu boi!
Se meu boi não ressurgir serei posto no tronco E a chibata cantará nas minhas costas. A chibata desaforada do coroné. Lamento nativo.
Oi boi, oi boi!
Bumba, bumba, meu boi!
Com seu cinco-salomão na testa, estrela prateada, Na noite em que a lua-cheia derrete-se toda nas ondas do mar. Traz o tambor-de-crioula no batuque e na pungada. Traz também o cacuriá, roda de negros sensuais rebolando. Atravessa fronteiras, galopa nas nuvens, passa por vales e serras, desbrava o Rio que desemboca no Atlântico e enche de festa a noite do meu Brasil.
Meu boizinho de tantos nomes, de muitos sotaques, não esquece do Pai Francisco. Nem deixa morrer de desejos Mãe Catirina. Boizinho mártir, você tem que ressurgir e universalizar teu canto e teu guarnicê.

domingo, 13 de junho de 2010

Castigando o santo

- Se o Antônio não me arranjar um marido... juro que ponho ele de cabeça pra baixo.
O santo não arrumou e Joana fez o prometido. Pendurou o santinho de ponta-cabeça. E não é que deu certo?! Aliás, deu quase certo: arrumou marido sim, mas o cara só vivia de cabeça virada, plantando bananeira. Era malabarista de circo e não ligava muito para a Joana.
Separação.
- Se o Antônio não for legal comigo dessa vez eu vou esconder ele no armário.
E escondeu mesmo.
Mais uma vez a mulher foi agraciada com um marido. Novo, bonito, carinhoso. Parecia perfeito. Até que um dia, ela chegou mais cedo do trabalho e ao abrir o armário, encontrou um homem lá dentro. Era amante do maridão. E não é que se chamava Antônio?! Caladinha, Joana engoliu seco a traição.
Botou o marido pra fora com o amante.
- Antônio, não tem jeito... se o senhor não me arranjar um marido... dessa vez vou pô-lo na geladeira, ou melhor, no congelador.
E temendo ficar solteirona falada, pôs o pobre do santo no congelador. Lá ele virou pedra. Até que apareceu na vida dela um tal de Geraldo. O homem era o que se pode chamar de geladeira ambulante: frio nos gestos, na fala e na cama.
Resultado: Joana amargou a frieza do Geraldo pelo resto da vida, caladinha.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

12 salão do livro infantojuvenil

Este espaço é magnífico. O Centro de Ação e Cidadania. É lá a nova casa da feira do livro para crianças de todas as idades. Muitas editoras, pais, professores e elas, as crianças, aos montes, eufóricas, namorando livros, rindo, arregalando os olhos, aplaudindo os escritores e os contadores de histórias.

Olha o Bial lendo pra criançada o livro do Jorge Amado "A bola e o goleiro"

O centro de cidadania fica no porto do Rio, área que será revitalizada e, queiramos, fique linda para a cultura. É num morro próximo daí que surge o samba carioca. Região muito bonita, mas detonada e completamente esquecida pelos governantes.  Visite a página do salão em: FNLIJ.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Foto-Poema

Poema engaiolado
Meu poema
caiu do ninho.
Ele ainda
não tinha asas.
Achei que podia
cuidar dele.
Dei comida
Dei bebida
Dei carinho
Mas na primeira
oportunidade
meu poema
bateu asas.


Lendo Pablo Neruda

Semana passada fui pros pampas argentinos e li Borges. Agora estou na terra do fogo lendo Neruda. Ah! O Neruda. É uma edição da José Olympio, bilíngue, destinada a jovens. Como não sou velho, nem por fora nem por dentro, comprei o livro e estou saboreando. Fico num jogo duplo, entre o português e o espanhol. Leio em voz alta o  poema para receber a musicalidade original. Fico apreciando a língua irmã como se quisesse que ela fosse minha também. E Neruda ali, me dando a ponte.
"Tira-me o pão, se queres.
Tira-me o ar, porém,
não me tires teu riso" (As uvas e o tempo)
Neruda era a fusão, profusão de sentidos, o homem que amou a terra e amou o outro. Um homem que convoca constamente o homem a ser homem e amar:
"Dai-me o silêncio, a água, e a esperança.
Dai-me a batalha, o ferro e os vulcões.
Apagai-me os corpos como os ímãs.
Acorrei às minhas veias, à minha boca.
Falai por minhas palavras e meu sangue"
(sobe para nascer comigo, irmão)
E fico tentado a escrever, a debulhar o trigo das palavras, a fecundar a terra com essa esperança que só a poesia é capaz de dar. Cala minha boca, para que minha alma se encha com o silêncio gritante de Neruda.

domingo, 6 de junho de 2010

Ovo/Ilha

O ovo
A ilha

O núcleo
gestando
maravilha.

A ilha
O ovo

Membrana
que esconde
o novo.

O ovo
A ilha

Casca-crosta
cósmica
quilha.

O helicóptero

O helicóptero
bicho inconveniente
gafanhoto de metal
não sabe passar despercebido?
Quando sobrevoa
a cidade
é de uma arrogância absurda.
As hélices fatiam
o vento em milhões
de pedaços
e os espalha
sobre os edifícios
num barulho
infernal.
Helicóptero
alma de dinossauro.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

brincando de ser escritor

Não sei quando decidi que deveria escrever. Não lembro quando senti esse frêmito, essa cegueira pela palavra, a vontade dilacerante de inventar histórias ou de falar de sentimento, ou de fingir, mentir uma mentira que só faz bem. Lembro somente que seguia à risca aquelas sessões dos livros de português que traziam propostas de redação do tipo: "monte um personagem, coloque-o num lugar, insira-o numa situação desafiadora...". Eu adorava ser um pouco Deus. Mas o legal mesmo era ter controle absoluto do fim. E os fins eram quase sempre absurdos ou trágicos. Eu matava bonitinho, sem dó nem piedade. Não sabia o que era ressentimento.

Por volta dos 15 anos, decidi que estava pronto para escrever uma história longa. Seria uma novela radiofônica. Eu ouvia muito a rádio Nacional da Amazônia, sintonia AM. Em plena década de oitenta, a TV ainda era sonho distante de nuita gente no interior. Então, meu texto seria uma novela infantojuvenil. De natal. Era alguma coisa como um garoto que nas férias pega o trem e vai para a fazendas dos avós. Lá acontecem coisas fantásticas e tudo acaba com um milagre de natal. Escrevi todos os capítulos com uma intensidade, uma vontade, uma febre... Enchi dois cadernos pequenos de cerca de 100 páginas.

Quando concluí, fiquei sem coragem de mostrar para alguém. Guardei, na esperança de um mês depois poder pedir que alguém lesse os originais. Eu mesmo queria me distanciar, para gostar do que tinha feito. Mas ao contrário, detestei mais ainda. Destestei tudo. Cada personagem, cada movimento, cada lugar.  E foi assim que meu primeiro livro só teve um leitor: eu. E fui o pior leitor de mim mesmo, porque decidi queimar cada fragmento daquela novela. O leitor não teve nenhuma pena do escritor.