quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

sem sentido

eu não sei mais o que escrever. não tenho vontade. não tem sentido. eu sou um sem sentido. e este mundo é uma afronta. não consigo entender por que estou aqui. qual a finalidade de nascer e viver em busca de uma paz que nunca chega. só na morte. se tudo acabar nela. o que duvido. seria imbecilidade demais. eu não creio mais naquilo que eu julgava crer. mas também não sou tão cético assim. tem que ter nesse mundo, e além dele, algo que explique por que estamos mergulhados nessa merda que é viver na terra. eu não posso crer em destino. não posso crer num deus que brinca com suas criaturas como criança mimada, birrenta e ensimesmada. se acaso esse deus existir, esse tal criador de tudo, vou logo dizendo que não tenho nenhum interesse em louvá-lo. um deus que precisa de bajulação, de glórias e aleluias é ou não é risível? eu não sei mais o que escrever. e o que eu acabo de dizer é porque estou com raiva. porque não consigo pensar que o humano é tão deprimente. não consigo pensar na solução para essa irracionalidade toda. tantas estrelas no mundo, tantos planetas, tanta amplidão... e a gente nessa merda de terra querendo ser.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

não sei

Não sei. E isso me conforta. Não sei. E isso é tudo. Não sei. E isso é a lição que me coloca nesse chão. Não sei. É o que quero dizer num espaço em que todos dizem que sabe o tempo todo. Sabem o quê? Sabem do quê? Sabem para quê? Sabem com o que e com quem? Saber anula toda uma caminhada. É que esse saber aí que não quero torna as pessoas arrogantes, insensíveis, pernósticas, esdrúxulas. O diabo a quatro. O diabo de quatro. O quatro do diabo. O quatro e o diabo. O diabo veio me dizer agora que não ponha o nome dele nisso não, porque ele tá é de saco cheio das maledicências dos sabedores de plantão (ou de platão). Arre!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

" ..."

tive uma professora que dizia para eu ser parcimonioso no uso das aspas. elas são um perigo. e passei a me policiar desde então. as palavras entre aspas ficam em estado de suspensão, agônicas, revelam nosso medo ou nossa tentativa de dar a elas uma potência para a nudez. é como se a gente as colocasse numa vitrine, peladas, em poses provocantes, e disséssemos: "venham, apreciem, comam-nas com os olhos, mirem até sugar delas toda sua libido!". tenho pena das palavras aprisionadas pelas
 aspas. coitadas. e coitado de mim que, fazendo parte do espaço acadêmico, vejo-me obrigado a pôr citações em tudo o que é trabalho. as aspas abundam os artigos, os ensaios, as resenhas... e me pego a pensar se não sou visto por aí exatamente como um ser entre aspas. não gosto nada de pensar nisso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

grito

No teu silêncio mora um grito. E ele é monstruoso.

pedagogia

a pior aula que um professor pode dar é aquela que ensina a formar discípulos. discípulos que são capazes de morrer pelo mestre. discípulos que, quando poderiam voar com suas próprias asas, preferem reproduzir o voo do mestre, acreditando piamente que são detentores da verdade do plano de voo. tolinhos! a liberdade tem outros voos. a liberdade não tolhe. a liberdade não particulariza. a liberdade odeia mestre e discípulos. o que a liberdade quer é pássaros sem distinção.

em breve

em breve será agosto. quando o céu é mais azul. quando as nuvens galopam como carneiros. quando o vento veloz parece querer derrubar nossos monstros. mas eles são inderrubáveis. eu tenho uma coleção deles. num calabouço que só eu conheço nesga alguma de vento penetra. em breve será agosto. em breve todas as canções ecoam. todas as cores se fundem. tudo tudo tudo sente um recomeço. o futuro é logo ali no agosto que está prester a rebentar. e eu aqui, num presente que não sabe o que é o tempo.

alfabeto do não

qual é a minha transgressão de hoje? não ser. não ter. aprender a tabuada do menos. menos por mais é menos. menos por menos é menos. menos é diferente de minos. minotauro solto no abismo. mino ouro de tolo. tudo em minuta. o ritmo diminuto. até o jorro vaporoso do que não tem forma.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

mapas para o nenhum

ando procurando mapas na pele dos muros cujas dobras não suportem latitudes e longitudes, graus sem qualquer pretensão de demarcação espacial, porque o representado é instável, não estático, corpo mutável que não se sabe descanso. e essas ranhuras, essas montanhas brancas de coisa alguma, esses vales sem habitantes, cumes sem gelo, alvura vazia... aí meu espírito procura a arqueologia da permanência.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

dos meios e dos fins

Homem bom às portas do céu: "Enfim, descanso eterno..."
O velho Pedro, coçando a barba: "Nananinanam! você cometeu o maior dos pecados e creio que seu lugar não é aqui". "Que pecado?", quer saber o homem, certo de um equívoco. O guardião mostra o artigo 10 da constituição eterna: "Passar a vida confundindo santidade com omissão".

cogito

eu não estou pensando. você pensa que eu estou pensando. mas não estou pensando. eu não pensa. meu pensamento acha que pensa. então, aquela esparrela de "cogito, ergo sum" é a maior das falácias porque eu não penso. eu sou pensado e, pois, os outros - ao me pensarem - é que me criam. pronto, falei.
A décima primeira explosão solar de hoje afetou meus tímpanos. golfada de sons reverberou para dentro. convulsa bomba atômica.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

monodiálogo

- quem é você?
- eu sou você!
- não, eu sou eu e não estou aí. você é outro.
- imagina. eu sou você sendo eu. é tão simples.- quem você pensa que é pra dizer que sou eu?
- ora, já disse. sou você....
- pera, se você não é você. se você sou eu, quem sou eu?
- a questão é outra: se eu sou você, onde é que você está?
- eu estou aqui. eu sei que não estou aí.
- tem certeza de que não sou eu que estou aí?
- tenho certeza. é ela que me faz afirmar que ocupo este corpo e não este aí.
- será que não sou tua certeza?
- as minhas certezas não podem estar num outro corpo.
- já ouviu falar em física quântica, em espaços superpostos e saturados de temporalidade? já ouviu falar de virtualidades? internet? avatares? você tem certeza que está aí?
- como assim?
- o teu problema é tua certeza. mas ainda bem que sou tua dúvida. muito prazer...
- ???????????

terça-feira, 22 de abril de 2014

desoração

meu deus, hoje me permita não ser. me permita não ser agora. me permita o esvaziamento do meu ser. me permita a água turva, a lama, o barro, vida uterina. e me permita não evocá-lo mais da forma que querem, e que tu não quereria, se de fato falasses. pousa sobre mim a tua finitude. permite-te também seres assim uma coisa que não permanece. sejas o bóson de rigs ou a espessura do escuro. e se eu pudesse orar, se me fosse permitido orar sem religião, sem crença, sem fundamento, a pedra angular desse credo seria o desapego de ti. porque o mundo anda cheio de clemência. e não posso crer numa divindade que só se alimenta de elogios.

segunda-feira, 17 de março de 2014

o sem...

queria escrever o sem sentido. aquilo que gruda na cachola, no juízo, sem precisar de explicação. queria construir um texto que não tivesse conceitos. conceito não se pega no grito, não se transmite no ato, não se oferece na dádiva. conceito é imagem que nunca toma forma e vigora no escorrego. estou farto de conteúdo. quero o continente. melhor: quero a filosofia do não. a desforma. estar aqui e pronto. sem ter que racionalizar o ontem e o já. coisa mais besta viver assim, dando nome e significados pra tudo.

domingo, 16 de março de 2014

a coisa

Quero uma coisa.
uma coisa bonita. uma coisa bonita e grande. uma coisa bonita, grande e sagrada. uma coisa bonita, grande, sagrada e que me deixe perplexo ao tocá-la. quero essa coisa que, tendo um corpo, continua incorpórea. essa coisa que é reservatório, cálice para vinho velho.
coisa-continente.
quero a coisa que se diga, sem tradução, sem traição, sem metáfora, crua e lisa, a lucidez do vidro, leveza de uma borboleta. quero ser para a coisa, assim como o barro para o oleiro e a azeitona para o azeite. coisa em panaceia. coisa sem nome. e se o tivesse, que fosse impronunciável. sempre em potência. à espera do ser.
coisa, coisa, coisa. três vezes grande na sua onipotência.
que ela comporte tempestades, suporte mil maremotos. e esse vinho que ela contém não se coagule jamais, ainda que o monstro que nela habite se desarvore e queira romper o fluxo. a resignação da coisa.

quinta-feira, 13 de março de 2014

casa

eu volto sempre pra casa. mesmo quando casa já não tenho. eu volto sempre pra casa. mesmo quando a vida fez de mim um errante sem retorno. eu volto sempre pra casa. mesmo quando há um abismo sem ponte no caminho. eu volto sempre pra casa. mesmo quando a neblina cai sólida e instransponível. eu volto sempre pra casa. mesmo quando meu barco resvala para o naufrágio. eu volto sempre pra casa. mesmo quando eu já nem sei quem sou e, portanto, não tenho paradeiro de mim. eu volto sempre pra casa. mesmo quando intuo que o mapa da minha rota nunca foi definido e que essa casa só existe quando eu nego qualquer lugar. minha casa é um estar-aí. a própria impossibilidade do morar.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

in-diretas

Não me defina. Não sou um conceito.
Não me rotule. Eu não ostento carimbo
ou etiqueta na minha testa.
Não me interprete. As páginas do meu livro nunca se fixam.
Não brinque comigo. Não sou objeto de sua palavra
Mas sujeito de minha história.
Não busque certezas sobre mim. Eu nunca estarei terminado.
Não fale nem decida por mim. Nem eu me represento.
Minha vida não é resposta para ninguém.
Eu sou apenas uma questão.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

tem dias...

tem dias que você não é, não está, não se sabe. só existe o vácuo. nem mundo, nem cores, nem cheiros; nada que ajude a suportar o peso do real existe. o real é uma gosma que só aparenta ser leve, mas nos sacode com a violência de mil tornados. peso de todos os tempos reunidos numa esfera de chumbo. e aí é preciso dizer, gritar mesmo, bramir: "vida, acaso sou teu escravo?"

domingo, 5 de janeiro de 2014

fim de ano e as pessoas estão preocupadas demais com o que vestir, beber e comer na virada. Esquecem, ou nem sabem, que a "virada" deve acontecer de dentro para fora. não há cor que possa colorir um coração nublado. nenhum amarelo vai iluminar de alegria uma cabeça mesquinha. nenhum vermelho vai renovar o sangue, como vinho novo, de quem vive e chora o passado. nenhum verde vai cumular a esperança... de quem não aposta nem em si, nem no mundo. nenhuma pirotecnia poderá refulgir numa alma que, de tão pessimista, só vê a escuridão no céu noturno, nunca sonha com o fulgor e as possibilidades das constelações. para virar o ano, data mais simbólica que real (visto que o tempo não se pode medir), é preciso ficar às avessas, como roupa que se põe ao contrário para que a limpeza aconteça em profundidade. é preciso sondar o mais profundo do oceano interior, vinte mil léguas submarinas de si mesmo. e, lá, bem distante, nessa vastidão que é você mesmo, estarão todas as cores que você busca. porque não é uma virada de ano que pode tudo. é você.

domingo, 15 de dezembro de 2013

nômade

o que ameniza essa minha eterna posição de nômade é saber que qualquer terra suportará o peso de minha tosca humanidade com total indiferença. e já não sonho geografias, nem tenho apego às terras deixadas, porque nunca finquei raízes. sou para nuvens, para vento e poeira. nada me fixa num lugar porque sou propriamente o trânsito. um território é o que habito apenas: meu corpo. não traço mapas e, s...e os traçasse, eles não viriam com legenda. minha cartografia não segue qualquer rosa-dos-rumos. e quando me for para sempre, eis a certeza, passarei o meu não-tempo contemplando o planeta terra de outro ponto de vista, algum planeta de sirius, não debaixo de sete palmos. se é para ser pó, que seja pó de constelações.