Pegava o mesmo onibus, bem cedo, todo dia. O trajeto de cerca de uma hora servia para dormir o que não conseguira na noite mirrada de todos os dias. O ônibus a deixava no mesmo ponto. Daí caminhava pela praia de Copacabana, chegava ao prédio onde trabalhava como doméstica e começava o trabalho. Seriam oito horas de um incansável serviço: varre piso, limpa janela, lava louça, lava roupa, arruma móveis, faz comida... Eita! Vidinha mais sem graça. Vidinha bem inha. Nem reclama. E reclamar adianta? Reclamar faz dinheiro cair do céu? Reclamar faz milagre? A tardinha fazia o trajeto contrário, chegando em casa por volta de meia-noite. Não vai desabar na cama? E pode?! Era preciso fazer todo o serviço de casa, preparar comida pros filhos, passar a roupa. Mas numa noite dessas em que voltava para casa, começou a ler na divisória do ônibus, aquele espaço onde fica a catraca e que divide o onibus em dois, o seguinte: "Ora (direis) ouvir estrelas/ Certo, perdeste o senso..." Leu tudo. Nada entendeu. Mas gostou imenso. Gostou profundo. Gostou de um jeito novo. Discretamente, arrancou o cartaz e levou consigo. Na outra noite, havia mais um daqueles, com texto diferente: "O mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar é estar doente dos olhos)/ Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo..." Concordou grande, sem compreender muito bem. Só achou bonito, e coisas bonitas não podem ser não-compreendidas. Também arrancou o cartaz e levou para casa.

(Esse texto é uma homenagem às minhas alunas da Educação de Jovens e Adultos. Os ônibus do Rio estão circulando com poemas colados na divisória. Uma aluna me falou que sua mãe havia arrancado um poema do Bilac e levado para casa. E me deu vontade de escrever esse continho)
2 comentários:
BEla idéia! a poesia que circula entre tantos olhos.
Abraço amigo,
Muito, muito bacana.
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