sexta-feira, 1 de maio de 2009

PASTORADOR DE PALAVRAS

(Dedico este texto ao poeta Manoel de Barros)

Quando criança, o menino gostava mais era de brincar com palavras soltas. Ele vivia fabricando ventos no ouvido imaginário das coisas. Adorava quebrar palavras e enterrá-las para ver ser nascia um pé de palavras. Nas brincadeiras, o menino queria que elas dissessem a ele de que modo deveriam caber num papel branquinho.
A mãe do garoto o mandava botar sentido nos porcos, e ele ficava imaginando como seria difícil educar os suínos. É que botar sentido pra ele não significava olhar os bichos ou pastorá-los. As palavras eram tagarelas no seu pensamento, mas no papel jaziam numa mudez irritante. Também, o pensamento dele era bem colorido, dava até pra sentir o cheiro do pensamento e o gosto das imagens; mas o papel era branco demais, ofuscava os olhos dele e afugentava nomes, verbos, qualidades...
Então, ele falava, falava...depois cantava, cantaaaava...e pensava. Como esse garoto pensava!!! Não sabia, mas estava cultivando poemas na terra fértil da memória. Hoje, o menino está crescido. E o que escreve são as vozes das palavras arcaicas do tempo de sua infância. Muitas delas entraram nos seus ouvidos, vindas da sua mãe e dos outros velhos, se apoderaram da cabecinha dele e cultivaram pacientemente no seu ego o canteiro das suas ideias.
Quando está sozinho, o homem que um dia foi menino nunca está sozinho. Elas, as palavras, surgem de algum canto escondidinho e começam a tagarelar, e ele relembra a primeira profissão: pastor, pastorador de palavras.

3 comentários:

Barbara disse...

Este menino é também o menino que cresceu em você, é a criança de nós.
Há muito que não leio algo tão lindamente exposto e explicado.
Minha criança teve vontade de lembrar de si mesma.
Obrigada.

Maria Aparecida disse...

Lindo texto, professor esse menino é você. Parabéns! Seus textos me emocionam. Um abraço aparecida

Andreia Alves disse...

Faço minhas as palavras da Aparecida, vc é com certeza este menino! As palavras acompanham seus pensamentos e te fazem voltar a primeira profissão: pastor, pastorador de palavras...
Bjsss bo coração!!!