sexta-feira, 12 de março de 2010

Quando "demorou" significa "já é" ou: singularidades de nossa língua camaleônica

Uma enxurrada de gírias invade as ruas da metrópole igual às chuvas torrenciais de março. Ficam um pouco, lavam a língua dos falantes e depois vão embora. São chuvas passageiras, mas que deixam muito rastro. Quem não se adequa às tempestades, pode morrer na praia. Gosto de pensar na (in)utilidade desses pingos grossos. E é isso que vou fazer: quem cai na chuva é pra se molhar mesmo...

- Demorou, ou melhor, imitando a prosódia: demorô - esse pingo d'água já está na boca do povo há bastante tempo, e parece querer inundar os dicionários. Quem diz "demorou" na verdade está querendo dizer o contrário, ou seja: não demorou nada, tá confirmadíssimo o lance. Engraçado isso, irônico até, usar uma palavra pra significar justamente seu contrário. Demorou tem antônimo?

- Já é! - essa frase minúscula pretende ser uma confirmação também. É o mesmo que: "concordo, tá fechado, marcado"... é uma espécie de sinônimo de demorou. O verbo tá no presente, mas se está querendo confirmar algo que ainda vem a ser. É uma forma de trazer o futuro para o presente.
- Fui!!! - quem diz isso com certeza ainda não foi, mas está demonstrando pressa para fazê-lo.
- Qual é? ou melhor, coé - é o mesmo que perguntar como vai, mas não é preciso responder. Vale mais como um elemento de conação, ou seja, é só pra estabelecer uma conexão com o outro, iniciando um diálogo. Então coé significa menos um como vai que um simples oi
Outro dia comento sobre mais termos. Quem sabe eu não conte um diálogo super-engraçado de uma senhora com seu neto adolescente. Ambos falam em português, mas não há a mínima possibilidade de comunicação. Como a língua tem um poder camaleônico, não é?
Então...demorou, já é, fui!!!!

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

A língua viva é assim. Se assim não fosse até hoje estaríamos falando latim. Acho fascinante o quanto ela é "cambiante".