terça-feira, 16 de novembro de 2010

José e Pilar

De repente os ateus nos dizem mais de Deus que os profundamente devotos. Falam da única e irremediável certeza: a morte. Não ficam se vangloariando com um céu incerto, com uma eternidade improvável, com uma desejável ressurreição do corpo ou da alma. Os ateus são suficientemente certos das limitações humanas. E, por isso, vivem sua humanidade procurando contribuir para despertar os homens de sua cegueira ou, pelo menos, fazê-los mais questionadores.

Saí da sessão do filme José e Pilar agradecendo a Deus pelo Saramago. E engrandecendo a Pilar, por sua bravura, sua dedicação a esse homem, até a morte dele e para além da morte, na fundação que o ajudou a fundar. O filme-documentário mostra a vida exilada na ilha espanhola de Lanzarote e as intensas viagens ao redor do mundo, para conferências, homenagens, lançamentos. Sobretudo o filme é sobre o amor tão incerto por ser tardio e tão certo por ser amor desprendido. Me perguntei: "Se Saramago tivesse recusado tanto convite e tanta viagem, a clausura teria contribuído para mais livros?". E o que queria Pilar  ao abandonar sua carreira jornalística para devotar-se religiosamente a um homem trinta anos mais velho? A agonia do velho homem à beira da morte e preocupado com mais um romance (A viagem do elefante, na verdade seu penúltimo) nos faz mergulhar nesse estado agônico, preocupados também nós com o fim antes do fim.

Saramago ensina aquilo que é o fundamento de toda religião: o amor, único sentimento capaz de redimir, de vencer a morte, como diz mesmo o autor na dedicatória do livro A viagem do elefante: "A Pilar, que não deixou que eu morresse". Descanso eterno às cinzas deste grande autor, embaixo de uma pedra, do jardim, de uma casa, numa ilha da Espanha.

2 comentários:

Ana Tapadas disse...

Que bom que partilhas!
Beijo

João Custódio disse...

Gostei, sinceramente, do teu texto. Ao ponto de me apetecer deixar-te aqui um abraço em forma de comentário.
Aproveito ainda para dizer que, afinal, José Saramago descansa em Lisboa, em terra portuguesa, na terra que, pese embora o seu exílio voluntário, ele sempre amou e nunca renegou.
Cumprimentos.