quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um monge

Houve um tempo em que pensava em exercer o sacerdócio. Dentro de mim ardia um lume. Até andei achando que ouvia a voz de Deus me dizendo: "Vai, eu te envio! Vai ser meu profeta!". E aquilo queimava, me inquietava. Era uma chama que me consumia, que latejava e me enchia de um prazer que não posso comparar a nenhum outro prazer que já senti. Mas suspeitava que o povo não desejasse profetas, guias, pastores... Tudo o que uma ovelha desgarrada quer é estar livre do cajado do pastor. Eu mesmo não queria saber de nenhum profeta me dizendo coisas que, por serem verdadeiras, eu nunca queria ouvir.

O tempo passou. O sacerdote que eu seria um dia morreu antes de nascer. Morreu para mais nunca. Pensando bem, se um dia me for permitido abandonar tudo por uma causa religiosa, que seja para ser um monge solitário, cujo monastério se equilibra no cimo de uma rocha também solitária. Ali pregaria ao vento, falaria aos passarinhos, converteria os pingos da chuva, entoaria melodias ao sol e à lua e vociferaria contra os raios e os trovões. Isolado, longe da humanidade, buscaria a salvadora lucidez e gastaria meus dias num exercício cuja única finalidade seria o abandono de mim.

Os homens não precisam de profetas. Os homens não ouvem outra voz que não seja a sua própria. Eu, monge, no meu monastério, rezaria: "Ó, Deus, que os homens aprendamos a silenciar. Que aprendamos que menos é mais. Ensina-nos a linguagem do silêncio profundo! " E agradeceria por ter tido a oportunidade de ser monge, e viver no cume da rocha, longe dos homens e de suas tão desgastadas vontades. Amém!

2 comentários:

Flor de sal disse...

que lindo isso, tantas coisas ditas aqui e tantas coisas sentidas acolá, no meu coração uma vontade de viver no cume de uma rocha. De ouvir o vento e conversar com os pássaros.

Abraço do lado de cá

Ana Tapadas disse...

É como dizes e eu concordo.
Deus/es metáforas dos homens...que a si mesmos se projectam. Mas talvez dessa forma se sublimem...
Beijo