quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

crônica sobre autor desconhecido


odeio autor desconhecido. odeio mesmo. não aquele desconhecido porque a mídia não o viu, ou não quer vê-lo. não é esse desconhecido que é objeto da minha crônica ferina e ferida. odeio o desconhecido que tenta manter-se desconhecido a qualquer custo. que não se compromete com o que escreve, seja poesia barata, seja crônica infeliz de autoajuda, seja o diabo. odeio esse autor que, para ter um texto lido pela grande massa incapaz de pesquisar origens, usa criminosamente o nome de outro autor famoso. e o texto ganha dimensões, se agiganta, se desdobra e passa a frequentar, inclusive escolas, num desserviço ao pensamento reflexivo.

odeio esse imbecil que não se apresenta com autoridade. que promove a deturpação da literatura, ainda que eu não concorde com os termos “alta” e “baixa” literatura. estou falando de valores ou contra-valores disseminados num ingênuo texto anônimo que recebe a patente de autores consagrados. Infelizmente poucos leitores têm a competência para perceber que há alho de muito errado no estilo desses textos, não combinando absolutamente com sua autoria. de repente, vejo uma Clarice Lispector dando conselhos chulos para os amantes, apresentando-se como uma alma caridosa, religiosa até, coisa que nada tem a ver com a grandeza dela. do mesmo modo, vejo Shakespeare falando como ser feliz, como amar e transcender, como ser piegas. ainda vejo um Drummond tão meloso, dando conselhos moralizantes para a felicidade geral da nação neoleitora (danação). vejo Bob Marley falando de vida como se fora um adolescente. vejo, igualmente, um Mário Quintana quase como um pregador das verdades celestes dizendo o que devemos ou não fazer para ganhar a vida eterna. (para continuar lendo, clique no link seguinte)

odeio esse autor desconhecido porque ele é covarde e não assume sua condição de autor desconhecido; porque quer a qualquer preço (a custo da desonra alheia) disseminar suas convicções, obrigando os outros a lerem seus textos, confundindo aqueles que não tiveram ainda o acesso a uma literatura de qualidade. odeio esse autor desconhecido porque é desonesto, egocêntrico e virulento (nem vou explicar esse adjetivos todos). o autor desconhecido usa os nomes dos autores conhecidos, geralmente já mortos, que não podem defender-se da calúnia de textos mal escritos, mal digeridos, mal intencionados. Psicologia barata para quem não pode pagar psicólogo. Ou então poesia inútil que não chega ao inferno nem sobe aos seus, simplesmente porque não tem asas nem pernas, não suscita nada.

sou a favor da democracia, inclusive na escrita e na leitura. escrevam e leiam o que quiserem, mas sou terminantemente contra o roubo do nome alheio em busca de uma promoção. Os escritores e poetas difamados devem se remoer na sua tumba e, como não podem voltar para punir o autor desconhecido, devem esperá-los não sei onde para o ajuste de contas. ainda tem um tal de “autor anônimo” obscurecido propositalmente para ficar no limbo da segurança, enquanto destila seu venenoso palavrório. ah, mas existem qualidades em alguns desses textos. você pode me dizer. tudo bem, não queimo todos, mas que sejam lidos com desconfiança, não como certezas; que sejam lidos no justíssimo lugar deles: a zona desconhecida, o anonimato proposital, o problemático limbo dos inconsequentes.

disse que odeio o autor desconhecido que usa máscara de um conhecido. odeio, mas não vou lutar para que ele seja disseminado. não. apenas vou estudar literatura, ler os autores nos seus devidos lugares: o livro, para não aceitar seu usado por gente inescrupulosa que não assume o que escreve.

Um comentário:

Patrícia Carlos disse...

Compartilho do mesmo ódio teu...rs
Acho que vou mandar esse texto pra alguns professores...assim como quem não quer nada...rsrsrs bjo

Adorei! ;)