domingo, 29 de abril de 2012

autorretrato

Sou um pouco mais alto que as asas de um pardal e bem menor que as garras do condor. Sou mais leve que um grama de ventania e bem mais robusto que o arrependimento. Ou seria o peso de mil rinocerontes? Minha cor? Tenho os matizes da montanha envolvida pela névoa espessa. Minha pele tem a suavidade de mil sóis sobre o orvalho e a aspereza da couraça de uma manada de rinocerontes. Eles, de novo... Embora embaçado, meu olhar é caleidoscopicamente muscal. Sinto cheiros inexistentes para narinas humanas. Aliás, não possuo narinas, e sim ventas. Tenho me surpreendido com uma atitude insólita: chorar por cada pelo perdido, por cada caspa e cada célula de pele morta que o vento leva. Os ácaros me odeiam. Outro dia, quase me afoguei numa poça de sonhos. Quando acordei, fui ler o destino na borra escura da água do banho, misturada à espuma branca do sabão. Senti que escorro pelo ralo a cada dia. Nascer é desapegar-se daquele conforto primordial. Minha sina é errar pelo que não é útero. Vivo no tempo das acontecências.

Nenhum comentário: