autorretrato
Sou um pouco mais alto que as asas de um pardal e bem
menor que as garras do condor. Sou mais leve que um grama de
ventania e bem mais robusto que o arrependimento. Ou seria o peso de mil
rinocerontes? Minha cor? Tenho os matizes da montanha envolvida pela
névoa espessa. Minha pele tem a suavidade de mil sóis sobre o orvalho e a
aspereza da couraça de uma manada de rinocerontes.
Eles, de novo... Embora embaçado, meu olhar é caleidoscopicamente
muscal. Sinto cheiros inexistentes para narinas humanas. Aliás, não possuo narinas, e sim ventas. Tenho me surpreendido com uma atitude
insólita: chorar por cada pelo perdido, por cada caspa e cada célula de
pele morta que o vento leva. Os ácaros me odeiam. Outro dia, quase me afoguei numa poça de sonhos. Quando acordei, fui ler o destino na borra escura da água do banho, misturada à espuma branca do sabão. Senti que escorro pelo ralo a cada dia. Nascer é desapegar-se
daquele conforto primordial. Minha sina é errar pelo que não é útero. Vivo no tempo das acontecências.
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