sexta-feira, 4 de junho de 2010

brincando de ser escritor

Não sei quando decidi que deveria escrever. Não lembro quando senti esse frêmito, essa cegueira pela palavra, a vontade dilacerante de inventar histórias ou de falar de sentimento, ou de fingir, mentir uma mentira que só faz bem. Lembro somente que seguia à risca aquelas sessões dos livros de português que traziam propostas de redação do tipo: "monte um personagem, coloque-o num lugar, insira-o numa situação desafiadora...". Eu adorava ser um pouco Deus. Mas o legal mesmo era ter controle absoluto do fim. E os fins eram quase sempre absurdos ou trágicos. Eu matava bonitinho, sem dó nem piedade. Não sabia o que era ressentimento.

Por volta dos 15 anos, decidi que estava pronto para escrever uma história longa. Seria uma novela radiofônica. Eu ouvia muito a rádio Nacional da Amazônia, sintonia AM. Em plena década de oitenta, a TV ainda era sonho distante de nuita gente no interior. Então, meu texto seria uma novela infantojuvenil. De natal. Era alguma coisa como um garoto que nas férias pega o trem e vai para a fazendas dos avós. Lá acontecem coisas fantásticas e tudo acaba com um milagre de natal. Escrevi todos os capítulos com uma intensidade, uma vontade, uma febre... Enchi dois cadernos pequenos de cerca de 100 páginas.

Quando concluí, fiquei sem coragem de mostrar para alguém. Guardei, na esperança de um mês depois poder pedir que alguém lesse os originais. Eu mesmo queria me distanciar, para gostar do que tinha feito. Mas ao contrário, detestei mais ainda. Destestei tudo. Cada personagem, cada movimento, cada lugar.  E foi assim que meu primeiro livro só teve um leitor: eu. E fui o pior leitor de mim mesmo, porque decidi queimar cada fragmento daquela novela. O leitor não teve nenhuma pena do escritor.

2 comentários:

Letícia Palmeira disse...

A gente faz cada bobagem, não? Queimar coisas escritas há tempos é um pecado.

Lembro que eu tinha uma agenda azul e escrevia nela. Anos 80 e 90 e minha cabeça estava turbilhando em conflitos. Eu escrevia nesta agenda. Tinha diários também. Um dia meus irmãos leram a tal agenda e riram de mim (coisa de irmão mesmo). Fiquei com raiva, vergonha e deixei a agenda de lado. Hoje penso nela. Talvez se eu relesse me visse como era naquela época, minha forma de escrever... bateu até nostalgia.

Hoje não me leio. Quando arrumo o texto eu leio. Mas, depois que termino, deixo de lado. É muito raro voltar atrás e reler. Só quando a questão é "vai ser parte de um livro".

Bjo, Claudio.

E ainda vou te mandar o livro.

Unknown disse...

ai, que pecado, acho que eu ia gostar,até imaginei essa novelinha, pois gostava muito de assistir na radio nacional, mas vc sempre foi muito exigente né verdade, que pena, agora poderiamos nos divertir.